29 setembro 2012

De Menino... De Menina

O fusquinha cor-de-rosa
texto: Caio Riter
ilustrações: Elma
editora: Paulinas

Conheci este livro quando procurava uma história legal para uma contação de história na escola de minha filha. Os traços inconfundíveis de Elma me atraíram de cara, e a história de Caio Riter não deixou dúvidas de que ia ser sucesso garantido - e foi.

Na época, as crianças, com 2 anos, estavam descobrindo o tal "mundo das meninas X mundo dos meninos". Rosa é para menina, azul para menino. Boneca é para menina, carro para menino. Menina brinca de cozinhar, menino brinca de consertar. Menina brinca de princesa, menino brinca de super-herói. Ahhhh... segmentação chata e burra... E é aí que o livro tem uma sacada sensacional: um carrinho cor-de-rosa é um brinquedo de menina ou de menino? De menina não é, "menina não brinca de carrinho!" - falava Bia. De menino não é, "rosa é cor de menina!" - dizia Beto.

Beto e Bia são dois irmãos, e o carrinho cor-de-rosa morava na casa deles... mas ninguém sabia se o brinquedo era de Bia ou de Beto. E assim, ninguém brincava com ele, que ficava sempre largado no fundo da caixa de brinquedos... Até que um dia algo inusitado aconteceu, e os brinquedos de Bia e Beto ganharam vida! A história vai se desenrolando e os irmãos vão descobrindo que pode ser muito divertido para as meninas brincarem de carrinho, e muito divertido para os meninos brincarem com brinquedos rosa. Afinal, as mulheres não dirigem? E na natureza não tem tanta coisa rosa?

Ahhh, e os homens não cuidam dos seus filhos? Não cozinham? E porque um menino não pode gostar de se imaginar um príncipe? Ou gostar das princesas? E as mulheres, não consertam coisas? Por que elas não podem gostar de mecânica? Ou se imaginarem heroínas? A receptividade na turminha da filha foi ótima! No final, todas as crianças estavam dizendo que meninos e meninas podiam brincar de tudo que quiserem. Eu fiquei super feliz.

Minha filha é uma menina meio "padrão", pois como é tímida e mais tranquilinha, não gosta muito das brincadeiras mais "hard", geralmente atribuídas aos meninos. Mas além das bonecas e panelinhas, ela adora carrinho, super-herói e bola. Pediu, certa vez, um carrinho de controle remoto ao papai noel, que atendeu seu pedido, e ela adora brincar com ele. Uma coisa que adoro é que ela tem um trânsito muito fácil com seus amigos meninos. Eles geralmente aceitam bem que ela brinque com eles, o que nem sempre acontece com outras meninas.

Aliás, tem uma história engraçada que aconteceu ano passado: fizemos uma festinha de natal com as crianças da turma dela no salão de festas do prédio de uma. Foi pedido que as crianças levassem fantasias para brincar, mas a tantan aqui esqueceu de levar... Como os outros pais levaram muitas fantasias, ela ficou com várias opções, e enquanto as meninas viravam cinderela, ariel e bailarina, ela escolheu uma fantasia de Ben 10 (detalhe que eu detesto Ben 10...) e ficou lá, toda feliz no meio do homem aranha, super homem e batman.

Acho que O fusquinha cor-de-rosa é uma ótima forma de abordar o tema com as crianças. Vamos ajudar nossas crianças a construírem uma geração menos sexista e mais livre? Que permita que todos usem suas potencialidades e preferências sem tolhimentos bobos e irracionais!

PS: já ouvi coisas como "você diz isso porque é mãe de menina. Queria ver se seu filho quisesse se vestir de cinderela!". Talvez seja verdade, como não tenho menino não posso afirmar qual seria minha reação. Mas de uma coisa tenho certeza, minha preocupação seria toda pelo receio dele sofrer discriminação e preconceito de coleguinhas e adultos (principalmente adultos). Como "acredito em fadas" (piada interna), acredito na possibilidade de meu bisneto, ou talvez tatatatataraneto, poder se vestir de cinderela sem sofrer qualquer acusação ou "sacaneamento" preconceituoso. E para isso precisamos refletir hoje. Com as crianças de hoje. Aceita o desafio?

14 setembro 2012

Linhas e Letrinhas

Livros para trazer aqui não faltam, mas o meu tempo está comprometido. Hoje vou deixar esse vídeo sensacional do dvd Vem brincar com a gente, do Palavra Cantada, que há tempos quero trazer aqui.



Bom fim de semana a todos e muitos livros, linhas e letrinhas para nossas crianças.

10 setembro 2012

Colecionando amigos e amores

O colecionador de pedras
texto: Prisca Agustoni
ilustrações: André Neves
editora: Paulinas

Quando admiramos o trabalho de uma pessoa, acabamos criando uma confiança de que tudo que tenha seu dedo será de boa qualidade. Costumo sentir isso com filmes, quando identifico no elenco atores que na minha opinião não se aventurariam em uma produção ruim. O mesmo acontece com os livros. Quando vejo um livro ilustrado por um dos meus ilustradores favoritos, sei que tenho algo especial aí, pois eles não ilustrariam algo realmente ruim. Foi assim que cheguei a O colecionador de pedras. Ele estava na prateleira da livraria, e de imediato reconheci os traços de André Neves, pegando-o para ler.

O livro é realmente muito, muito lindo. Crianças e adultos vão se encantar, e refletir, embora em níveis diferentes. A história se desenrola com o menino Ambaye, que é muito pobre mas muito sensível. Apesar da pouca idade ele aprendeu desde cedo "a arte da escuta e da paciência". "Com o vento aprendeu a conversa dos olhos, o sorriso das mãos, as lágrimas dos lagartos. Com as mulheres da família aprendeu a tecer palavras e conchas para fazer as mais lindas joias - as que são invisíveis."

Mas o que Ambaye gosta mesmo é de colecionar pedras. É que ele se encanta com a maneira descompromissada com que as pedras chamam a atenção, apenas ficando a beira das ruas de terra vermelha. Elas acalmam seu coração. Foi por causa delas que Ambaye começou uma longa viagem. E foi percorrendo seu país que ele encontrou uma moça "vestida de solidão". Seu nome era Noémi e seu rosto era "aninhado em maravilhas e tristezas". Entretanto, por mais que tentasse, Ambaye não conseguia fazer Noémi sorrir. Eles caminhavam lado a lado, mas nada parecia capaz de tocar o coração da jovem Noémi, que seguia cabisbaixa e triste.

Mas Ambaye não desiste fácil, e dia após dia, continua tentando fazer sua amiga sorrir. Até descobrir o que falta para fazê-la ser feliz de verdade: a surpresa. A vida não lhe trouxera surpresas, além da dor e das perdas. Por isso, ela seguia sem expectativas, sem esperança... e não há como sorrir verdadeiramente quando não se tem perspectiva de algo diferente, quando não se permite surpreender-se.

O livro realmente alcança a todos. É profundo, mas sua linguagem é bastante simples, e as ilustrações muito expressivas. Minha pequena o adora, e pede para lê-lo repetidas vezes, com se quisesse sugar cada gota que ele possa lhe oferecer. Alguém já conhece o livro? Que tal contar como o sugou?

03 setembro 2012

palavras bordadas...

A menina que falava bordado
José Carlos Lollo desenhou
Blandina Franco bordou
Giacomo Favretto fotografou
editora: Amarilys

Minha filha é uma criança tímida, bem do jeito que eu era com a sua idade. E assim como eu, ela é super calada com quem não conhece - mas uma tagarela quando já se sente a vontade. Até pouco tempo atrás, eu ficava muito incomodada com esse seu comportamento, queria forçar que ela se comunicasse melhor, não apenas que cumprimentasse as pessoas, mas que fosse falante e extrovertida. O que eu temia, e ainda temo, é que ela passasse por todas as dificuldades pelas quais passei para romper com a timidez, o que no meu caso aconteceu por volta dos 15 anos. Bom, mas depois de umas cabeçadas, percebi que essa atitude não a ajudava em nada, e não a fazia mais "falante". 

Ter um filho é mesmo uma viagem impressionante, onde aprendemos bem mais do que possamos pensar ensinar. E nessa minha viagem como mãe dela, tenho aprendido algumas coisas preciosas. Primeiro, que não posso evitar, mais que isso, privá-la, de passar por suas próprias dificuldades, romper suas próprias barreiras, sofrendo e colecionando seus próprios aprendizados. Segundo, que minha missão é mesmo de ajudá-la a passar pelos percalços da vida, mas respeitar sua identidade e sua trajetória é o passo número zero para isso.

Ahhh, mas como é difícil! Quando vejo crianças da sua idade extrovertidas, falantes, receptivas com o desconhecido, e olho a minha pequenina “travando” até diante de pessoas conhecidas... dá uma vontade imensa de falar a ela: “filha, não perde tempo, a timidez rouba tanto de nós” rsrs Mas a verdade é que ela tem todo o tempo do mundo, o suficiente para errar e corrigir erros, inclusive. Estou aprendendo a perceber suas outras formas de comunicação, aprendendo a ler suas entrelinhas, e tentando respeitar mais seus momentos introspectivos. Afinal, porque temos todos que nos comunicar da mesma forma?

Por tudo isso gostei tanto da proposta do A menina que falava bordado. Achei que tinha tudo a ver com a minha menina, a filha e a que fui. É que a menina do livro quase não fala. Mas ela fica calada não porque não sabe ou não tem o quê falar, nem tampouco por ser triste. Ela não fala porque acha bem mais divertido bordar. E bordando ela consegue se expressar direitinho, seus bordados refletem tudo que ela sente. Assim, ela tem ponto para toda situação: ponto para quanto tem pressa, para quando esta triste e cansada, para quando quer abraçar ou se unir a alguém, e até para quando quer que ninguém a entenda. De um jeito doce e poético, o livro mostra que cada um tem um jeito próprio de se expressar, e que precisamos prestar mais atenção no outro para perceber o que querem nos dizer.



Mas o livro tem algo muito especial: a forma como foi feito. Todo o livro, inclusive seus textos, foram bordados. Isso mesmo, cada ponto que a menina usa foi ilustrado e associado a um sentimento ou uma situação, e tudo isso é expresso através de bordados, como a história sugere. Minha mãe era uma grande bordadeira, e eu também adoro agulhas e linhas. A filha, sempre que me via bordando, pedia para bordar também, e eu sempre prometia comprar agulha de crianças para ela... e nada. Com A menina que falava bordado, o pedido ressurgiu, e eu achei que já estava na hora de atendê-lo. Comprei uma agulha de bordar grossa, sem ponta, e linhas. Prendi um pedaço de tecido de algodão em um bastidor e o entreguei para que ela desenhasse livremente com um lápis. Depois a ensinei a segurar o bastidor e manusear a agulha. Fui acompanhando seu trabalho, dando dicas, mas em pouco tempo ela já estava bordando sozinha. As miçangas no miolo da flor foi ideia minha, que ela executou praticamente sozinha (só ajudei para que ficassem com formato redondo), e no resto do bordado, apenas as pétalas tiveram uma ajuda maior minha.


Olhando aquelas mãos gordinhas dominando a agulha, foi inevitável me emocionar. Minha mãe não a conheceu, mas sei que sua estrelinha brilhou mais forte naquele dia...