26 julho 2013

A bola de Ceci e o vestido de Max!

Ceci e o vestido do Max
texto: Thierry Lenain
ilustrações: Delphine Durand
tradução: Marcela Vieira
editora: Companhia das Letrinhas

No último título lançado no Brasil, a duplinha Ceci e Max, vão juntos ao supermercado, e enquanto Ceci fica encantada com uma bola de couro dourada, Max suspira de amores por um vestido rosa cheio de frufrus. Ele diz que imagina como Ceci ficaria linda nele, mas Ceci nem quer pensar em usá-lo... ah, mas Max insiste, insiste... e Ceci concorda, desde que Max use também...

O livro traz uma abordagem super interessante sobre os esteriótipos de meninos e meninas, e o estranhamento quando alguém apresenta os "interesses errados". Porque é tão estranho uma menina gostar de bola e futebol? E mais estranho ainda um menino gostar de vestido cor de rosa? Pfff... fico pensando quantos interesses e desejos são simplesmente sufocados por não se encaixarem no que a sociedade espera que gostemos!

Fico impressionada como as crianças simplesmente aprendem estas regras estereotipadas de meninos e meninas, mesmo que, aparentemente, não tenham contato com elas. Lembro quando a minha filha, ainda uma bebezona, começou a dizer que menino não podia usar rosa ou brincar de boneca... ah, o machismo nosso de cada dia! Fomos então, nos empenhando em mostrar outras referências a ela, tentando desconstruir alguns conceitos... difícil ensinar a filha o contrário de coisas tão irraigada em nós - e nem adianta achar que não - mas acho que sempre vale a pena tentar.

E esse é mesmo um bom livro para abrir uma conversa sobre como esse papo de menino não pode isso, menina não pode aquilo, é bobo e limitante. Aliás, tem esse outro também. Porque, como sempre digo, estas novas gerações são capazes de muito mais do que nós, podem e devem nos superar. E quem sabe para meus netos e bisnetos ser menino ou menina não seja fator limitante para escolher a cor de uma roupa ou o esporte para praticar! Quanto a Ceci, ela bem que ensaiou rir e ridicularizar Max por usar um vestido, mas não fez nada disso... ela teve que admitir que o tal vestido rosa e cheio de frufrus fica muito melhor em Max que nela.

24 julho 2013

O que é preciso para ganhar beijinhos da Ceci?

Os beijinhos da Ceci
texto: Thierry Lenain
ilustrações: Delphine Durand
tradução: Heloisa Jahn
editora: Companhia das Letrinhas

O terceiro livro de Ceci e Max trata do namoro dos dois. Namoro de criança, mas levado muito a sério por eles. Ahhh, e como Ceci é uma namorada difícil! Max adora os beijinhos de Ceci, e faz qualquer coisa para consegui-los... mas Ceci exagera! E na escola, na hora do recreio, manda Max ficar sentado nos degraus da escada do banheiro, a espera de, talvez, ela ter vontade de lhe dá um beijo. E Max fica, no primeiro, no segundo e no terceiro dia... mas nada de ganhar beijos de Ceci. Ele já está bem chateado quando a professora vem tentar descobrir porque ele já não brinca no recreio, e ao saber a verdade - mas sem saber o nome da namorada, porque isso é segredo sagrado - faz um discurso sobre peixes, pássaros, cabras, aquários, gaiolas e tocos... kkkk 

Max fica confuso, tem pesadelo a noite, mas na manhã seguinte tem certeza de uma coisa: o apaixonado não foi feito para ficar esperando um beijo sentado na escada do banheiro! Mesmo correndo o risco de perder os beijos de Ceci, Max deixa isso claro para a namorada, afinal, se ela quiser dar um beijo nele que vá ao lugar onde ele estiver. E não é que é exatamente isso que Ceci faz? E Max ganha um belo beijo na bochecha. Ah, a crueldade dos apaixonados, se desfaz rapidinho quando há o risco de perder o ser amado rsrs

Adoro a forma como Max se rebela contra a tirania de Ceci! E adoro o jeito que ela corre atrás do namorado: "Na verdade, Max, prefiro você deste jeito!" Tiranias desse tipo são tão comuns numa fase da infância, inclusive com crianças do mesmo sexo. São normais, eu sei, fazem parte do crescimento, eu sei, mas gosto da ideia de dizer a elas que se dá valor a quem se dá valor... eu queria te aprendido isso bem mais cedo...

22 julho 2013

Para ter um bebê!

Ceci quer um bebê
texto: Thierry Lenain
ilustrações: Delphine Durand
tradução: Paulo Werneck
editora: Companhia das Letrinhas

Depois de conhecer Ceci tem pipi? eu só pensava em conhecer os outros livros da série. E como nunca os encontrei em livrarias ou bibliotecas, o jeito foi pedir pela internet. E aí preciso confessar a vocês que Ceci quer um bebê me causou espanto, e não tive coragem de entregá-lo a filha. Pois é, excesso de moralismo, provavelmente. Fiquei viajando que aquele ainda não era o momento para Letícia conhecê-lo, que era melhor esperar ela crescer um pouquinho mais - tolinha. Rá, mas a vida se encarregou de driblar meus medos pudicos, e um dia, sem querer, ela viu sua capa dentro do meu armário, e gritou logo "Ceci! Tem outro livro de Ceci?" Aí já era, não tinha mais nada a fazer senão entregá-lo rsrs

Do jeito direto de Thierry abordar os temas, Ceci começa esse livro perguntando a Max se ele a ama, e ao ouvir uma afirmativa, faz a proposta sem pestanejar "Vem cá. Vamos fazer um bebê." E ele vai, apesar do susto e do medo que sente - filho é coisa séria, né? Mas nem pense em cegonhas ou repolhos, Ceci não é boba rsrsrs Ela sabe que para fazer um bebê o papai e a mamãe têm que deitar na cama e se abraçar forte, não sem antes fechar bem a porta do quarto - para fazer um bebê, a porta do quarto tem que estar bem fechada. Depois do abraço apertado, os dois vão lanchar - e Ceci acha que já pode até sentir o bebê!

No dia seguinte é carnaval, e Ceci e Max vão à escola fantasiados. Max vai de guerreiro das estrelas. Ceci vai apenas com um barrigão. A professora elogia sua fantasia de mamãe grávida e a escuta dizer que não está fantasiada. No dia seguinte não é mais carnaval, mas Ceci continua de barrigão. Hum, Max começa a ficar preocupado. E fica mais ainda quando, alguns dias depois, vê Ceci chegar sem barrigão e com um bebê... de verdade. A história é muito divertida, e fala de sexo e da chegada de irmãozinhos de forma leve, além de trazer o desejo das crianças de viverem experiências adultas, como namorar, casar e ter filhos. Uma forma muito legal de abordar esses assuntos, principalmente se as curiosidades já começaram.

19 julho 2013

Sem-pipi ou Com-perereca?

Em abril do ano passado, escrevi um post sobre um livro que adoro: Ceci tem pipi? Ele é o primeiro de uma série, e na época planejava escrever logo na sequência sobre os outros dois. Bom, nem preciso dizer que acabei não escrevendo... E nesse tempo, o quarto livro foi lançado no Brasil, e recentemente consegui comprá-lo. E aí que me deu uma vontade enorme de escrever sobre eles, inclusive sobre aquele primeiro, que já escrevi. Foi assim que nasceram esses quatro posts, que começo a publicar hoje, sobre os títulos da deliciosa série do francês Thierry Lenain (bom, os títulos já traduzidos e lançados no Brasil).

Ceci tem pipi?
texto: Thierry Lenain
ilustrações: Delphine Durand
tradução: Heloisa Jahn
editora: Companhia das Letrinhas

Como o próprio Thierry afirma, ele é um escritor que escreve histórias que defendem as meninas. Na verdade, suas histórias abordam questões da sexualidade para as crianças, falando para elas, na sua linguagem, e buscam desconstruir algumas ideias machista e sexista. Mas esqueça se te veio à mente "livros endereçados", desses que tem como objetivo principal ensinar algo ou passar uma mensagem, e só por acaso têm uma história condutora. As histórias de Ceci são muito boas, sensacionais, eu diria. E o que eu mais gosto nelas é que Thierry não caiu nas armadilhas mais comuns, como falar sobre sexo para crianças usando metáforas bobinhas ou uma porção de termos técnicos, ou ainda abordando o sexismo com um discurso moralista. Suas histórias são diretas, claras, e na linguagem do pequeno leitor - tratando a criança com respeito - e como eu gosto disso...

Pela editora francesa, já são oito* os títulos da série da dupla Zazie e Max. Aqui no Brasil, Zazie virou Ceci, e já estão lançados os quatro primeiros títulos. E é nesse primeiro livro que a duplinha se conhece, quando Ceci vai estudar na sala de Max, e causa uma verdadeira revolução na vida do colega. Tudo isso porque a chegada de Ceci faz pela primeira vez Max repensar algo que já estava muito bem formatado em sua cabeça: no mundo existem as pessoas Com-pipi e as Sem-pipi, e é claro que as Com-pipi são mais fortes - elas têm pipi, não é mesmo? E nem foi Max quem inventou isso, sempre foi assim, desde a época dos mamutes. Por isso, Max nem liga quando a professora apresenta Ceci - ela é uma Sem-pipi!

O mundo para Max antes de Ceci.

Ah, mas Ceci não é menina que se possa ignorar! Ela desenha mamutes ao invés de florzinhas fofinhas, joga futebol, não tem medo de subir em árvores e sempre vence nas lutas. Ceci simplesmente não cabia no formato arrumadinho de Com-pipi e Sem-pipi que norteava a cabeça de Max. Tinha alguma coisa diferente naquela garota... será que Ceci é uma Sem-pipi que tem pipi? Mas isso seria trapaça, não? E essa dúvida não sai da cabeça de Max...
Ceci e Max devem ter uns 5 anos, e é mesmo mais ou menos nessa fase que as crianças começam a realmente incorporar que meninos e meninas precisam ser diferentes, e não apenas por terem ou não pipi. Menino gosta de bola, menina gosta de boneca. Menina não pode gostar de bola, menino não pode gostar de boneca. E claro, meninos e meninas não devem se gostar... pffff... que chatice.

Mas a sacada do livro é sensacional! Nunca tinha visto um livro infantil tratar a questão do sexismo na infância de forma tão direta e acessível à criança! Ele traz a ideia freudiana de castração e inferioridade das meninas de uma forma simples e sem rodeios. E ao final da história, quando finalmente Max reconstrói sua ideia das diferenças entre meninos e meninas - já que a primeira foi detonada por Ceci - percebe que, na verdade, existem os Com-pipi e as Com-perereca! Sim, somos diferentes... mas não tem nada faltando nas meninas!

O mundo para Max depois de Ceci

* além de um exemplar com cinco histórias, as quatro primeiras, já lançadas no Brasil, e uma inédita.

11 julho 2013

Olhos que veem o que ninguém mais ver...

O menino que espiava pra dentro
texto: Ana Maria Machado
ilustrações: Alê Abreu
editora: Global


Esse não foi um livro que me conquistou de cara. Li a primeira vez, gostei, mas achei ele um pouco confuso, longo demais para minha filha aproveitar. Depois surgiu a oportunidade de lê-lo novamente, e fui então me encantando com sua história. O texto de Ana Maria Machado trata de um dos assuntos mais incríveis para mim: o faz de conta infantil!

As crianças são mesmo incríveis na arte de fazer de conta, e o Lucas é craque dos craques. Por isso, sua avó costuma dizer, quando ele está distraído, sem ver nem ouvir ninguém, que ele está espiando para dentro. E está mesmo! Todo mundo espia pra dentro quando está dormindo, sonhando. Mas Lucas consegue espiar para dentro mesmo bem acordado. E num instante o espaço embaixo da mesa vira uma grande floresta, com árvores e animais selvagens, e o balançar numa rede, um veleiro enfrentando um mar agitado, com tempestades e piratas. Ah, e como eu sei como é isso... Letícia também adora espiar para dentro, e muitas vezes temos que atravessar a sala pulando em pedras invisíveis para não cair no rio perigoso, ou esconder debaixo do lençol para não ser capturados por um leão feroz. Eu adoro essa fantasia que ainda reside nela, e que já não acho tão facilmente em mim. Enquanto ainda está nela, incentivo sempre que posso, da melhor forma que posso, e quase sempre me divirto muito junto.

Ah, e Lucas tem um amigo imaginário, embora não use essa expressão. O amigo mora nos lugares para onde Lucas vai quando espia pra dentro, e juntos vivem todas as aventuras. Tatá, de Talento ou Tamanco, é mesmo seu fiel amigo. Contam os mais velhos que eu tive muitos amigos imaginários. Amigas, na verdade. Todas tinham nome e características bem claras. Coisa de filho único, diziam. Bom, só fui filha única por dois aninhos. Já minha filha, única aos seis, nunca teve amigos imaginários, ou pelo menos, nunca os dividiu conosco. Sempre brincou muito com suas bonecas, dava nomes a elas, atribuía atitudes humanas, mas suas amigas eram todas palpáveis. Aliás, sua boneca favorita é quase um membro da nossa família, sua amiga inseparável.

Mas bem, brincar com Tatá é tão divertido, que Lucas decide bolar um plano para ficar espiando pra dentro para sempre, ou pelos próximos 100 anos! Uma história divertida e viajante, sobre onde a imaginação infantil podem nos levar. No final do livro, Tatá vira um amigo real para Lucas, e eu suspeito que espiar para dentro ficou para ele ainda mais divertido.

As ilustrações são maravilhosas, cheia de encantos e fantasias. A capa já traz a brincadeira dos olhos vazados de Lucas, integrados com imagens "espiadas pra dentro" na primeira página, uma ótima sacada! A ilustração abaixo, tirada do blog do ilustrador, acompanha um texto lindo, que faço questão de transcrever para vocês:



"Tatá não respondeu logo. Como nesse dia eles tinham ido para um bosque cheio de fadas, elfos, duendes e gnomos, ele se distraia observando a atividade de todas essas criaturinhas. Quem estivesse olhando para fora só veria um menino contemplando abelhas, borboletas, lavadeiras e outros insetos, pelo meio das flores. Mas, espiando pra dentro, havia dois amigos e uma quantidade enorme de seres miúdos e diferentes escorregando em cogumelos, morando entre raízes, se pendurando em balanços de teia de aranha, viajando em favas ou brincando em cascas de nozes. Tudo muito longe daqui."

Como disse antes, é um livro com um texto extenso, uma história mais longa, mas que certamente empolga os pequenos. Aqui em casa, as vezes o lemos em etapas, mas ele sempre é bem aceito. Aliás, impossível esquecer a primeira vez que o li para Letícia, de uma vez só, e ao final ela me disse: "mamãe, eu também adoro espiar para dentro, né?". Não posso negar que fiquei espantada com a identificação tão imediata dela...

07 julho 2013

mais Suzy Lee...

Espelho
texto e ilustrações: Suzy Lee
editora: Cosac Naify


Sombra
ilustrações: Suzy Lee
editora: Cosac Naify


Ontem chegou pelo correio o livro que faltava para concluir a trilogia de Suzy Lee aqui em casa - os três títulos lançados no Brasil pela Cosac Naify. Embora valham muito a pena, seus preços são salgados, e eu tive que ter paciência para conseguir oportunidades de preços mais palatáveis e tê-los juntos comigo. Primeiro comprei Onda, depois Espelho, e agora chegou Sombra. Estou numa fase de fascínio com os livros de imagem. Fico encantada com a capacidade que alguns ilustradores têm de expressar sentimentos e situações com seus traços. Eu, que embora tenha algumas habilidades manuais sou um desastre com desenhos, fico babando com quem tem este talento. E talento, Suzy Lee tem de sobra.

O meu predileto é mesmo Onda. Pelo movimento, pelo azul, pelo respeito e admiração que tenho pelo mar, e pela possibilidade de imaginar a primeira vez de alguém diante do mar. Mas os outros também são sensacionais. Em Espelho, a menina depara-se pela primeira vez com seu reflexo no espelho: susto, medo, desconfiança e farra - muita farra - até que o reflexo cria vida própria. Na página do livro na Cosac Naify, além do link para ver a animação do livro, há, no final da página, algumas versões de narração para suas primeiras imagens, feitas pelos alunos da escola Carandá. Achei sensacional!
imagem do livro Espelho do site da Cosac Naify

Sombra traz as surpresas de uma menina descobrindo como sua sombra e a de outros objetos podem ser surpreendentes. Adoro este livro por ele abordar o faz de conta infantil, o que eu não me canso de admirar - sei que já perguntei antes, mas porque mesmo perdemos essa capacidade ao longo da vida? 

imagem do livro Sombra do site da Cosac Naify

E então uma maçã mordida no alto da cabeça transforma-se em uma coroa em sua sombra. Um aspirador de pó e algumas caixas, um elefante. Até que surge um lobo, e o real e as sombras começam a interagir. Não deixem de ver a animação do livro, aqui. Aliás, no ano passado, no festival SESI bonecos do mundo, tivemos a oportunidade de assistir ao lindíssimo espetáculo Sombras de Mão do grupo japonês Kakashi-za, e foi muito emocionando ver o que sombras são capazes de fazer.

Acho que os livros de Suzy Lee extrapolam qualquer tentativa de classificação etária. São indicados para qualquer idade - do bebê ao idoso - para criar e contar histórias, para brincar ou simplesmente para admirar. Agora juntinhos, os meus vão ganhar lugar de destaque em casa, para serem manuseados sempre que os olhos quiserem sonhar...

01 julho 2013

Distribuindo poesia...

A caligrafia de dona Sofia
texto e ilustrações: André Neves
editora: Paulinas

Como vocês sabem, Letícia trocou de escola este ano, e tem sido... digamos... um pouco difícil PARA MIM processar algumas mudanças. Algumas posturas em relação a alimentação e a condução de outras questões têm me deixado com o pé atrás - sorry, essa introdução é só um desabafo...

Apesar disso, no que se refere às questões pedagógicas, tenho ficado muito feliz com a condução das coisas. Letícia está muito bem adaptada e seus progressos em várias áreas são notórios. E o primeiro projeto do ano, que tratou de poesias e parlendas, me deixou muito feliz. Mais ainda com o fechamento dele, que se deu com um recital de poesias para o dia das mães. Emocionante define.

"O poeta
escreve poesia
para ser criança
todo dia"

Fernando Paixão

Com a pequena estudando poemas e poetas, lembrei-me deste livro e tratei de enviá-lo para a sala de aula. Acho que este foi o primeiro livro que comprei de André Neves - quando minha pequena ainda era uma bebezona - e depois vieram muitos outros. Hoje em dia, quando vejo seu nome numa capa, como autor ou como ilustrador, agarro logo o livro para conhecer, e quase sempre me apaixono. Acho surpreendente a estabilidade de André, como suas obras mantêm um excelente padrão, sempre - pelo menos na minha opinião. Acompanho muitos autores e ilustradores, gosto de seguir suas trajetórias, e para mim, poucos conseguem alcançar a estabilidade de qualidade dele.

"Ontem à tarde, quando o sol morria,
a natureza era um poema santo."
Castro Alves

Mas voltando para Dona Sofia, naquela época, eu sabia muito pouco sobre André Neves, e li o livro pela primeira vez, de pé em uma livraria, sem grandes expectativas. E foi sua história, tão doce e envolvente, que me conquistou em cheio. A história de Dona Sofia é encantadora: uma professora aposentada que dedica seus dias a cuidar de flores e a decorar as paredes de sua casa com.. poesia. Isso mesmo, seu amor pelos versos transbordava pelas paredes da casa, e ela, com sua linda caligrafia, as escrevia. Até o dia em que, cheias, as paredes não ofereceram mais espaços para poesias. O que faria Dona Sofia? Além das belíssimas ilustrações de André Neves, o livro trás vários trechos de poemas, dos mais variados poetas. Impossível um amante de poesias não se apaixonar.

"Há que se afirmar o corpo até o último sempre.
Exercer-se como instrumento capaz 
de receber a poesia do mundo"
Bartolomeu Campos de Queirós

A saída para o impasse de dona Sofia é o mais lindo possível: ela passa a escrever os versos, que já não cabem nas paredes, em cartões coloridos, decorados com flores prensadas, e os distribui a todos os moradores da cidade. É Seu Ananias, o único carteiro da cidade, quem as entrega. E a partir daí, a vida de Dona Sofia, de Seu Ananias, e dos moradores da cidade, começa a mudar. Todos começam a viver e dividir poesia. Uma história para pensar no prazer de ser lembrado por alguém, no valor do que se divide com amor (que dinheiro nenhum pode pagar), e no quanto pequenos gestos podem trazer efeitos surpreendentes. Eu, fico imaginando no quão delicioso seria um dia receber pelo correio um cartão com a linda caligrafia de Dona Sofia...

"Todos os dias deveríamos ler um
bom poema, ouvir uma linda canção,
contemplar um belo quadro
e dizer algumas bonitas palavras.

Pensar é mais interessante
que saber, mas é menos
interessante que olhar."
Goethe