texto: Bartolomeu Campos de Queirós
ilustrações: André Neves
editora: Global
Não vou dizer que não aguardei esse dia. Claro
que o aguardei. Para uma apaixonada por livros infantis, ver a filha lendo
sozinha seus próprios livros é mesmo algo muito especial. Mas não coloquei
ansiedade demasiada nessa minha espera, foi apenas uma espera... Na verdade, eu
tinha alguns medos: primeiro que ela queimasse etapas. Queria garantir a ela o lúdico, o estímulo a criatividade e imaginação, a formação de vínculos afetivos saudáveis - coisas bem mais importante para crianças até 6 anos do que saber ler e escrever. Além disso, sinto às
vezes uma pressão muito forte para que as crianças sejam precoces, e suspeito
que isso desencadeie muitos problemas de aprendizagem. Tem muita criança que
aprende a ler aos 4 anos e até antes disso, mas tem muita criança que faz 6, 7 anos
e ainda não despertou o interesse pela leitura (até sabe as letras e sílabas,
mas não se interessa por sair lendo) – e aí, ela está atrasada? Eu acho que não.
Além do mais, se todas as crianças fosse iguais e despertassem para a leitura
na mesma idade, a precocidade perderia o sentido, não é?
Por medo de colocar os carros na frente dos bois
e pressão onde não cabe, marquei um horário com a pedagoga da escola quando aos
3 anos começaram a ensinar-lhe as letras. Queria entender como tudo
aconteceria, e achava tudo prematuro demais. Conversei também com minha irmã,
que é pedagoga, e um argumento de ambas me acalmou: ela entrou na escola cedo
demais (aos 4 meses, quando terminou minha licença-maternidade), e deixá-la 5
anos pintando e desenhando iria entediá-la, deixando-a sem desafios. Se tem uma
coisa que considero importante para um ser em formação é a presença de desafios
(proporcionais a sua capacidade emocional e cognitiva, claro). Confio muito na
escola que ela estuda e fui acompanhando tudo de perto. Percebi que eles
estavam apresentando as informações para as crianças, mas respeitando o tempo
de cada uma. A prova é que ainda no Grupo 4 (crianças com 4 anos) dois alunos
já liam perfeitamente e outros ainda não conseguiam identificar sílabas, e isso
nunca foi um problema na sala. Fui ficando mais confiante, até porque a alfabetização
de hoje é bem diferente da minha época.
Aliás, foi fascinante perceber como hoje as crianças
decifram a leitura. Tá, fascinante num segundo momento, no primeiro foi meio
assustador. Com a cabeça formatada pelo aprendizado das famílias das letras e o
"Ivo viu a uva", tomei um susto quando minha pequena começou a ter
contato com todas as letras praticamente juntas, num enfoque muito mais do
contexto de cada situação do que das letras que ela já conhecia. Passado o
susto tudo começou a fazer muito mais sentido. Vinha da escola uma receita de
biscoito para leitura compartilhada, ou um caça-palavras com palavras sobre
algum assunto abordado em sala, com letras, acentos e sílabas ainda não
dominadas, mas num contexto muito mais próximo dela, e as informações iam sendo
absorvidas com mais naturalidade. E eu ficava pensando na Cachinhos que fui um
dia lendo o livro da escola e pensando "mas afinal que é Ivo? E onde
estavam as uvas?". Tudo começou com o seu nome e o nome dos coleguinhas da
sala, depois o nome da professora, dos pais e dos pais dos coleguinhas. Aí o J
era o J de João, o L de Letícia, o G de Guilherme... achava lindo quando ela
via uma letra na rua e dizia "olha mamãe, é o M de Maria, como a mãe de
Duda". Foi delicioso e serviu para aproximar mais os pais da turminha.
Já no grupo 5, ela conhecia bem as letras e
conseguia ler algumas sílabas, mas não parecia ter nenhuma motivação para ler
palavras ou frases. Como diz uma amiga minha, não tinha dado o click. Ela
sempre adorou os livros, nos pedia para ler, mas nunca tentava ler nem uma
palavrinha que fosse. Por isso eu imaginava que ainda fosse demorar bastante.
Mas eu acho que é mesmo um click, como se eles já soubessem mas ainda não
tivessem percebido isso. Aliás, mais que isso, não tivessem mesmo interesse em
perceber. O que leva uma criança a querer ler? Acho que a resposta muda de uma criança
para outra, e é bobagem querer encontrar uma resposta única. Lá em casa o
interesse surgiu de um dia para o outro, nem sei dizer direito como. Uma noite
deitamos em minha cama com um livro nas mãos. Comecei a ler e ela foi tentando
ler algumas palavras. Então eu parava e esperava. Ela parou com vergonha e eu
falei que ela poderia ler mesmo errando, porque ela estava aprendendo e isso
era normal. Ela leu algumas e foi dormir. Na manhã seguinte, um sábado, a levei
para cortar o cabelo e depois para almoçar na casa da avó. Fomos a pé ao salão
e ela foi tentando ler tudo que via no caminho, da placa da padaria a tampa do
bueiro. Do carro, no trajeto para a casa da minha sogra, pedia “mamãe, vai mais
devagar, estou lendo o nome daquele ônibus”. Eu tomava susto a cada palavra
nova! Há 24 horas ela não se interessava para ler nada.
Isso aconteceu há alguns meses, e depois desse
"pulo inicial" ela tem absorvido um pouquinho mais da nossa língua
escrita a cada dia. Enganchava-se com o N e M nasalizadores, e sempre queria
formar uma sílaba com a vogal anterior (anjo ela lia NAjo, bambu lia
BAMAbu...), também pegou aos poucos quando o L tem som de U, e quando o S tem som de Z rsrs Estou curtindo muito esse
processo, que ainda promete muitas aventuras...
Mas hoje trago essa notícia com o primeiro livro
lido inteiramente pela minha pequena cacheada. Eu nunca esqueci o primeiro livro que li sozinha na vida. Foi realmente marcante, e como disse no
meu primeiro post, nunca consegui parar. Queria que fosse especial para ela
também. Por isso, aproveitei que no último feriado viajamos para o aniversário de meu sobrinho e o voo atrasou, e puxei de sua mochila História em 3 atos, do maravilhoso Bartolomeu Campos de Queirós. Repetindo o que meu pai fez há muitos anos atrás, disse que ela o leria sozinha, e para meu espanto ela simplesmente começou a ler, sem demonstrar os medos e insegurancas que eu tive há algumas décadas atrás.
Em Historia em 3 atos, Bartolomeu Campos de Queirós faz uma deliciosa brincadeira com letras, sílabas e palavras, e minha pequena riu alto com o gato que num susto vira ato, e o pato que num susto vira ato, engolem as letras erradas e num instante o pato esta miando no alto da casa e o gato nadando no rio. Ah, e ainda tem um rato, que num susto transforma o gato em grato e o pato em prato. Não vou contar mais, apenas que no final do livro temos um rato que é gato, um rato que é pato e um ato que é rato... kkkkk Depois a brincadeira foi trocar a primeira letra dos nomes dos nossos conhecidos, transformando João em Poão e Pedro em Jedro, Letícia em Metícia e Matheus em Latheus. Muita risada e a leitura ficou leve e fluida como deve ser.
Minha filha lendo um livro de Bartô ilustrado por André Neves... espero que tenha sido inesquecível para ela também...
Em Historia em 3 atos, Bartolomeu Campos de Queirós faz uma deliciosa brincadeira com letras, sílabas e palavras, e minha pequena riu alto com o gato que num susto vira ato, e o pato que num susto vira ato, engolem as letras erradas e num instante o pato esta miando no alto da casa e o gato nadando no rio. Ah, e ainda tem um rato, que num susto transforma o gato em grato e o pato em prato. Não vou contar mais, apenas que no final do livro temos um rato que é gato, um rato que é pato e um ato que é rato... kkkkk Depois a brincadeira foi trocar a primeira letra dos nomes dos nossos conhecidos, transformando João em Poão e Pedro em Jedro, Letícia em Metícia e Matheus em Latheus. Muita risada e a leitura ficou leve e fluida como deve ser.
Minha filha lendo um livro de Bartô ilustrado por André Neves... espero que tenha sido inesquecível para ela também...