As histórias populares têm
um fascínio especial. Ninguém sabe ao certo quem as inventou, mas o certo é
que, de boca em boca, elas se perpetuam no tempo. Aqui no Brasil temos
histórias das boas (com a vantagem de não terem ganhado “versões oficiais” –
cof cof cof – da Disney). Lembro que minha mãe me contava a história da grande
festa do céu, para a qual só foram convidados bichos que voam. Até hoje lembro
dela descrevendo como a cara do sapo se deformou para sempre na queda que
levou...
Há algum tempo me dei
conta que aqui em casa tínhamos algumas versões dessa história e fiquei encantada com as diferenças e semelhanças delas. A nossa primeira versão foi a do livro Belas Lendas
Brasileiras que Letícia ganhou de aniversário há alguns anos. O livro trás 6 histórias do folclore brasileiro, dentre elas a famosa Festa no Céu.
Belas Lendas Brasileiras
reconto: Raquel Teles Yehezkel
ilustrações: Isabela Donato Fernandes
editora: Leitura
Depois ganhamos a divertida versão de Ângela Lago, que apresenta uma tartaruga "rebolante", daquela coleção distribuída por um banco...
A Festa no Céu
reconto e ilustrações: Ângela Lago
editora: Melhoramentos
No ano passado comprei o delicioso box de livros destinados às crianças de Clarice Lispector. São cinco livros, um deles Como nasceram as estrelas - doze lendas brasileiras. São doze lendas, uma para cada mês do ano, contadas de forma sintética com o inconfundível "jeito conversado" de Clarice Lispector. E adivinha qual a história de fevereiro???
Como nasceram as estrelas - doze lendas brasileiras
Alvoroço de festa no céu
reconto: Clarice Lispector
ilustrações: Fernando Lopes
editora: Rocco Jovens Leitores
Então, há algumas semanas, estava numa livraria escolhendo um presente quando me deparei com o livro que trás a versão de Braguinha da tal Festa no Céu. É, Braguinha das machinhas de carnaval. Gente, fiquei apaixonada! Sem tirar o mérito das outras versões, essa é simplesmente encantadora!
Festa no Céu
reconto: Braguinha
ilustrações: Tatiana Paiva
editora: Rocco Pequenos Leitores
Voltei para casa com o livro na mão, e fui atrás de outras versões. Pesquisei um pouco e resolvi também comprar a de Ana Maria Machado - comprei num sebo virtual uma edição antiga, mas a comercializada atualmente é esta:
Festa no Céu
reconto: Ana Maria Machado
ilustrações: Marilda Castanha
editora: FTD
Semana passada fizemos um passeio por todas as versões, contando uma a cada dia na hora de dormir, e então analisando o que elas tinham de semelhante e de diferente. A primeira percepção é de que não há duas versões iguais, e não me refiro ao "pé da letra do texto".
A história é a mesma: uma festa no céu em que apenas os bichos de asas foram convidados, mas que um bichinho sem asa decide ir dentro da viola do urubu. Mas as diferenças começam já com o personagem principal: para Braguinha, Clarice e Raquel era um sapo o bichinho festeiro. Já para Ana Maria era um jabuti e para Ângela, uma tartaruga. Bom, o violeiro que carrega o pequeno penetra é o mesmo nas seis versões: o danado do urubu, que em algumas fica tirando sarro dos bichos que não têm asas por não poderem ir à festança.
Foi uma delícia identificar outras diferenças. Na maioria das versões, o bichinho intrometido vai e volta da festa na viola do urubu, mas na versão de Ana Maria Machado, o jabuti vai à festa nas costas da garça, que resolveu lhe fazer um favor, mas avisou logo que não iria trazê-lo na volta: "Assim, se eu quiser comer e beber bastante, não tenho que ficar me preocupando com o peso da volta." Já para Braguinha, o danado do sapinho dormiu exausto e acordou no final da festa, quando o urubu já tinha ido embora. O jeito que encontrou para voltar à terra foi pular no trombone do macuco, e despencou lá de cima quando o pássaro percebeu o instrumento entupido "e soprou com tanta força / da bochecha e do pulmão, / que o sapo saiu de dentro / como um tiro de canhão."
Outra diferença interessante é como o penetra é descoberto na viola. Já contei a versão de Braguinha. Para Raquel e Clarice, o urubu viu e percebeu tudo. Já para Ângela, a tartaruga, meio tonta, começou a cantarolar um samba da festa, e para Ana Maria, foi o urubu, que com o peso, começou a suar tanto e deixou tudo tão fedorento, que fez o jabuti espirrar - nessa versão, Deus como castigo, fez o urubu ficar fedido para sempre.
Mas o mais divertido da história é mesmo quando o bichinho despenca pelos ares gritando: Sai da frente, pedra, senão eu te esborracho!!! E como a pedra, claro, não saiu da frente, o coitadinho acaba mesmo esborrachado! Humm, é por isso que o jabuti e a tartaruga têm aquele casco todo remendado, e o sapo é tão feio e disforme, com os olhos esbugalhados e a boca enorme. Tudo por conta da tal festa no céu!
Cinco formas de contar a mesma história, cinco olhares sobre um mesmo conto, que vem sendo contado de mãe/pai pra filhos, de avó/avô pra netos, de tia(o) pra sobrinhos, de boca em boca, desde sabe-se lá quando... Pra terminar, preciso dizer que recomendo todas as versões, cada uma com suas particularidades, mas não posso deixar de destacar a de Braguinha, minha preferida.
Braguinha usa o texto todo rimado, e brinca com o coachar do sapo, que na sua história ensina matemática para os sapinhos na beira do rio assim: "quatro mais quatro, quatro / com mais quatro, quatro. / Tá errado!" As ilustrações de Tatiana Paiva são lindas, e como a festa idealizada por Braguinha é uma festa de São João, é toda cheia de bandeirinhas e balões. Para encerrar de vez este post, vou colocar aqui um trecho do livro, que está também na contra capa dele. É para não deixar dúvidas de como essa versão vale a pena rsrsrs:
"São Pedro mandou avisar
Aos bichos deste sertão
A grande Festa no Céu,
Na noite de São João.
Não deve faltar à mesma
Nenhum bicho voador.
Do Mosquito à Borboleta,
Do Colibri ao Condor.
E, para bicho sem asa
Não fazer vestido à toa,
Manda frisar que a festança
É só pra bicho que voa."