18 abril 2013

Era tempo de caju.

Tempo de Caju
texto: Socorro Acioli
ilustrações: Maurício Negro
editora: Positivo


Estou adiando trazer esse livro aqui por um motivo ridiculamente comum para mim: o considero tão especial que fico esperando uma inspiração que faça jus a sua importância. Ridículo, eu sei... o perfeito é inimigo do bom, já dizem por aí. Mas hoje uma amiga me pediu a indicação de uma lenda indígena para transformá-la numa contação de história, e nada me pareceu mais apropriado do que Tempo de Caju. Dada a proximidade do dia do índio, achei que era o momento certo de trazê-lo ao Cachinhos.

A história de Porã e seu povo é uma das mais bonitas que já li, e a habilidade de Socorro Acioli, cearense como eu, ao recontá-la de forma tão encantadora e sensível é incontestável! Porã é um curumim que ama caju, assim como seu povo, e como boa parte dos cearenses. O Ceará é o maior produtor nacional de caju, e dele faz a cajuína, o refrigerante de caju, os doces (amo o em calda e a rapadura de caju), e até carne vegetariana. O cajueiro dá sombra boa e seus galhos guardam alegres lembranças de infância.

Mas para usufruir de todas da vantagens do caju, é preciso paciência: “os cajueiros passam quase um ano dormindo, sem dar fruto pra ninguém”. Caju é fruto de época, e que época feliz!!! Seus frutos maduros colorem todo o horizonte do sertão, adoçam a boca dos meninos e colocam nódoas em suas roupas. Por isso, quando se quer fazer referência a algo bom mas raro, o cearense diz que só acontece “de caju em caju”. E na tribo de Porã, os índios costumavam contar seus anos de vidas pelas safras de caju que já tinham vivido. Assim, “quando o último caju era colhido, cada índio escolhia uma castanha bem bonita e guardava em uma cabaça secreta, que eles enfeitavam e escondiam como um tesouro. Para cada castanha guardada, mais um ano de vida se contava”.


Quando a tribo de Porã teve que fugir de um povo inimigo, ele guardava, além da sua cabaça - com sete castanhas - a cabaça de seu avô - o sábio Tamandaré, com as 70 castanhas que ele tinha antes de morrer. A história de Porã é uma história de tradição, de amor e dedicação ao seu povo, e de muita coragem. Seu final surpreendente nos traz a doçura da fé nas próprias raízes, naquilo que conhecemos, que acreditamos por nos ter sido passado com amor. Coisas que os índios entendem bem, e que nós, os “civilizados” cada dia esquecemos mais, nos afastamos mais...

Amanhã comemoramos o dia do índio, e fico pensando se estamos preparados para valorizar toda a riqueza cultural, todo respeito pela natureza - inclusive a própria natureza - todo conhecimento acumulado em centenas de gerações que os índios têm. Mas sei que por mais um ano, nos colocaremos em nossas posições de "civilizados",  pintaremos o rosto das crianças e repetiremos que é o dia do índio. Ora, mas antes de nós, todo dia era dia de índio!!!


PS: gostaria ainda de fazer referência às belíssimas ilustrações de Maurício Negro, que tornou a história de Porã ainda mais cativante. Queria também destacar que Tempo de Caju é um dos livros que me explicitam como o setor editorial de nosso país pode ser injusto. Seu texto e ilustrações definitivamente não condizem com a baixa qualidade da sua edição. Todos os dias vemos lindas encadernações, de conteúdo vazio, serem descarregadas em grandes livrarias, e não consigo entender como Tempo de Caju não ganhou o lugar de destaque que merece...

04 abril 2013

A arte de ser diferente - ou os desafios de ser uma menina esquisita!

Lilás
textos: Mary E. Whitcomb
ilustrações: Tara Calahan King
editora: Cosac Naify

Quando ainda não era mãe, sonhava e imaginava o tipo de mãe que eu seria. Mentira, naquela época eu achava que mãe era tudo meio igual mesmo, e só pensava que seria assim, uma "mãe padrão". Bom, não estava de todo errada, mãe é tudo meio igual mesmo, mas logo descobri que algumas coisas nos diferenciam. E logo depois descobri que não, não seria uma "mãe padrão". Não é nada demais, nada que diga que sou uma mãe melhor ou pior do que qualquer outra. É só que eu não consigo parar de pensar, de analisar, de criticar, de questionar. As vezes me vejo como a Mafalda da maternidade.

Porque, como em tudo nesse mundo de meodeus, na maternidade também há conformados com a ordem social, reproduzindo e reproduzindo o quadro que conhecemos - e convenhamos, o que pode ser mais eficiente para reproduzir uma ordem social do que a maternidade? E há os inconformados, ou pelo menos os não conformados com tudo, que questionam, buscam, discutem e têm a coragem de tentar fazer diferente. E há também os filhos dos inconformados (ou pelos menos não conformados com tudo), que... são diferentes. Ou esquisitos, como queira.

Essa não é a única classe de diferentes, claro. Algumas crianças são diferentes simplesmente porque são assim, mesmo tendo "pais padrão". Mas os filhos dos inconformados (ou pelo menos...) não têm muita escolha, mais cedo ou mais tarde alguma "esquisitice" sua irá saltar aos olhos. E é claro que como mãe inconformada (você já sabe o resto...) essas questões me preocupam. Porque, diferente de boa parte dos seus coleguinhas, minha filha não se entupiu de chocolate na páscoa, não usa maquiagem, nem esmalte, nem salto alto, não frequenta fast foods, não tem festas padronizadas, não assiste programas de qualidade duvidosa na TV, nem come na cantina (de qualidade duvidosa) da escola. E é claro que não seguir a manada tem seus ônus e seus bônus.

Ser diferente na infância pode não ser das experiências mais legais, e geralmente o que as crianças querem é "sumir na multidão". Por outro lado, ter acesso a oportunidades exclusivas pode ser das experiências mais legais. Estava pensando sobre isso recentemente, num momento em que estou questionando algumas questões da nova escola e às vezes recebendo olhares de A mãe diferente (ou esquisita, como queira), e minha filha tem manifestado a necessidade de, vez ou outra, simplesmente seguir a manada. E foi então que Lilás veio na mochila da filhota, direto da ciranda da biblioteca. Embora sua capa me seja absolutamente conhecida, nunca o tinha lido, e ele foi uma grata surpresa.

Porque Lilás é uma menina diferente, que presenteia a professora com coisas feitas por ela mesma (ao invés de compradas), come cenouras e outros legumes no lanche e não usa roupa nova simplesmente porque é o primeiro dia de aula. Lilás tem um nome esquisito, coleciona pedras e no seu aniversário, ao invés de contratar mágicos e palhaços, seus pais transformaram seu quarto num castelo medieval! No começo, nenhum dos seus colegas queria ser visto com uma pessoa tão diferente. Mas com o tempo, descobriram que ser diferentes pode ser muito legal, e no último dia de aula, a professora não ganhou nenhum presente comprado. Porque Lilás é diferente. Mas talvez ela não seja TÃO diferente assim.

Confesso, a identificação foi imediata. Acho que Lilás é filha de inconformados, e ela tem se saído muito bem como uma menina diferente. Assim como minha menina, que tem mais livros que brinquedos, não come industrializados no lanche e curte mais inventar arte com uma caixa de leite que brincar com barbies. Mas... tem feito sucesso na escola levando seus livros para serem lidos na sala, sempre recebe pedidos de um pedacinho dos muffins salgados que mamãe faz para ela e adora dividir com os colegas as artes malucas - e nem sempre esteticamente "aceitáveis" - que fazemos juntas.

Além disso, tem descoberto que temos todos nossas esquisitices, e que talvez ser diferente seja algo que nos assemelha mais que nos distancia. Lilás acalmou meu coração, e me lembrou que valorizar o que nos distingue é uma lição importante a ser aprendida na infância.