Tempo de Caju
texto: Socorro Acioli
ilustrações: Maurício Negro
editora: Positivo
Estou adiando trazer esse livro aqui por
um motivo ridiculamente comum para mim: o considero tão especial que fico
esperando uma inspiração que faça jus a sua importância. Ridículo, eu sei... o
perfeito é inimigo do bom, já dizem por aí. Mas hoje uma amiga me pediu a
indicação de uma lenda indígena para transformá-la numa contação de história, e
nada me pareceu mais apropriado do que Tempo
de Caju. Dada a proximidade do dia do índio, achei que era o momento certo
de trazê-lo ao Cachinhos.
A história de Porã e seu povo é uma das
mais bonitas que já li, e a habilidade de Socorro Acioli, cearense como eu, ao recontá-la
de forma tão encantadora e sensível é incontestável! Porã é um curumim que ama
caju, assim como seu povo, e como boa parte dos cearenses. O Ceará é o maior
produtor nacional de caju, e dele faz a cajuína, o refrigerante de caju, os
doces (amo o em calda e a rapadura de caju), e até carne vegetariana. O
cajueiro dá sombra boa e seus galhos guardam alegres lembranças de infância.
Mas para usufruir de todas da vantagens do
caju, é preciso paciência: “os cajueiros passam quase um ano dormindo, sem dar
fruto pra ninguém”. Caju é fruto de época, e que época feliz!!! Seus frutos
maduros colorem todo o horizonte do sertão, adoçam a boca dos meninos e colocam
nódoas em suas roupas. Por isso, quando se quer fazer referência a algo bom
mas raro, o cearense diz que só acontece “de caju em caju”. E na tribo de
Porã, os índios costumavam contar seus anos de vidas pelas safras de caju que
já tinham vivido. Assim, “quando o último caju era colhido, cada índio escolhia
uma castanha bem bonita e guardava em uma cabaça secreta, que eles enfeitavam e
escondiam como um tesouro. Para cada castanha guardada, mais um ano de vida se
contava”.
Quando a tribo de Porã teve que fugir de
um povo inimigo, ele guardava, além da sua cabaça - com sete castanhas - a
cabaça de seu avô - o sábio Tamandaré, com as 70 castanhas que ele tinha antes
de morrer. A história de Porã é uma história de tradição, de amor e dedicação
ao seu povo, e de muita coragem. Seu final surpreendente nos traz a doçura da
fé nas próprias raízes, naquilo que conhecemos, que acreditamos por nos ter
sido passado com amor. Coisas que os índios entendem bem, e que nós, os
“civilizados” cada dia esquecemos mais, nos afastamos mais...
Amanhã comemoramos o dia do índio, e fico pensando se estamos preparados para valorizar toda a riqueza cultural, todo respeito pela natureza - inclusive a própria natureza - todo conhecimento acumulado em centenas de gerações que os índios têm. Mas sei que por mais um ano, nos colocaremos em nossas posições de "civilizados", pintaremos o rosto das crianças e repetiremos que é o dia do índio. Ora, mas antes de nós, todo dia era dia de índio!!!
PS: gostaria ainda de fazer referência às belíssimas ilustrações de Maurício Negro, que tornou a história de Porã ainda mais cativante. Queria também destacar que Tempo de Caju é um dos livros que me explicitam como o setor editorial de nosso país pode ser injusto. Seu texto e ilustrações definitivamente não condizem com a baixa qualidade da sua edição. Todos os dias vemos lindas encadernações, de conteúdo vazio, serem descarregadas em grandes livrarias, e não consigo entender como Tempo de Caju não ganhou o lugar de destaque que merece...