30 agosto 2011

Enfrentando medos e desafios sobre uma bicicleta.


Julieta de bicicleta
texto: Liana Leão
ilustração: Márcia Széliga
editora: Cortez

Na escola da minha filha, sexta-feira é dia de ciranda do livro. As crianças escolhem um livro para ficar no final de semana e devem, na segunda-feira, devolvê-lo com um desenho inspirado nele. No início do ano é solicitado no material escolar três livros próprios a idade, de escolha livre, com base em uma lista de sugestões de editoras – quase nunca seguida. São esses livros que vão para a dita ciranda, e tenho que confessar que raramente me encanto com algum... para ser bem educada. Resumos mal feitos de contos infantis, livros cheios de recursos visuais e vazios de conteúdo, e algumas vezes me passando a impressão de que o único critério para a escolha foi o preço. Já tive algumas - poucas - agradáveis surpresas, mas nenhuma igual a de algumas semanas, quando chegou na mochila Julieta de bicicleta, das paranaenses Liana Leão e Márcia Széliga. E a pequena veio empolgadíssima com ele, mostrando que já sabe reconhecer quando tem algo realmente bom nas mãos.

Julieta é uma menina muito, muito meticulosa, que gosta de fazer tudo sempre i-gual-zi-nho. A hora de acordar, o número de passos até o banheiro, a ordem dos movimentos de sua escova de dente, e por aí vai. Além disso, ela gosta de tudo muito perfeito, da sua roupa à sua postura, e só sabe andar em linha reta. Isso mesmo, uma pedra no caminho, que atrapalhe seu andar linear, pode transformar-se em um tormento para Julieta, afinal, ela não está acostumada a imprevistos e a ter que tomar decisões rápidas. Com tudo aparentemente sob controle, ela parece se sentir segura e feliz, vivendo sem surpresas. Até que no seu aniversário a menina ganha uma bicicleta, e vai bicicletar no parque. Tudo ia bem até que ela se depara com uma curva muito encurvada, e paralisa, invadida por seus temores.

Adorei a forma inteligente e direta como a autora abordou o medo do novo, do desconhecido. Cheio de exageros, o texto ficou leve e divertido, mas faz questão de tratar a criança com o respeito devido, como alguém capaz de entender e superar seus desafios. Aqui em casa, estamos vivendo uma fase de muitos medos povoando o dia a dia da Cachinhos. Fico com o coração doído quando vejo a minha menina ansiosa e com o coração acelerado diante de situações e pessoas desconhecidas... sobretudo porque me faz lembrar a menina que fui um dia. Por experiência própria sei do grande desafio que é vencer os medos e ansiedades da vida, e da importância de fazê-lo. Quem hoje me vê falante (até demais) e encarando desafios talvez não suspeite do longo trajeto que segui, e do coração acelerado que vez ou outra tenho que disfarçar. Por isso, mesmo com o coração doído, aguardo, paciente e ao seu lado, que ela também descubra seus próprios caminhos de superação.

E daí que o livro me fez conhecer um pouco mais de Liana Leão, que é doutora em letras, professora da UFPR, e tem outros livros publicados, aparentemente com a mesma competência ao abordar temas às vezes difíceis e relacionados aos desafios do crescer. Estou pesquisando com empolgação, e os resultados serão divididos aqui, claro. Mas o livro me reservava ainda uma surpresa: um prefácio escrito por Bárbara Heliodora, que definiu bem o cuidado e o respeito da autora com os pequenos leitores e faz uma boa reflexão sobre o processo de aprendizagem e formação infantil. Leia abaixo:

Isaac Azimov disse uma vez que não sabia qual o mistério que levava o processo de educação a sufocar a curiosidade natural das crianças, e é contra isso que se coloca Liana Leão quando escreve seus livros. Para ela, na formação da criança, não se pode tratá-la como um receptáculo vazio a ser entulhado de informações, é necessário desafiá-la, estimular sua curiosidade e seu raciocínio.

No pré-primário, como no 3o grau, não há nada pior do que transformar o que deve ser aprendido em inimigo, que pode tomar a forma de um dragão só vencido por heróis, ou em risco do fracasso na elaboração de uma tese. Há qualquer coisa de errado em qualquer processo de educação que não comporte o bom humor e o riso.

Há muito que aprender em Julieta de Bicicleta, principalmente a necessidade de ter, ao mesmo tempo, rumo e flexibilidade, convicção e curiosidade. Acreditar que a criança tem sua personalidade e merece ser respeitada para poder crescer tanto em conhecimento (e não decoreba) quanto em auto-confiança (e não capricho gratuito) parece ser a estrela-guia de Liana, em suas lindas incursões pelo universo infantil, onde tudo que tem para dar é trocado pelo prazer das descobertas de quem está vendo as coisas pela primeira vez, sem ares de superioridade ou de concessão.

Julieta de bicicleta é um prazer para todos nós, e convida-nos a entrar nesse doce processo de formação infantil.


Dra. Barbara Heliodora – crítica de teatro, professora de drama, tradutora e maior especialista brasileira em Shakespeare


Não poderia terminar esse post sem falar sobre as ilustrações de Márcia Széliga, que criou uma Julieta ruiva, de grandes óculos redondos, e tão entediante quanto a personagem merece. Para quebrar esse clima, figuras divertidíssimas, no melhor estilo nonsense, estão espalhadas por todo o livro, como uma ratinha fazendo pipocas que viram o contorno do balão dos pensamentos de Julieta, uma tartaruga de patins, um caracol de skate, peixes voadores com bexigas ou balões de ar quente, e um lindo canguru ciclista, que tem o corpo pintado de flores, e solta os passarinhos de uma gaiola enquanto pedala .

25 agosto 2011

Outras sugestões de livros de culinária para crianças.

Como prometido, hoje estou trazendo os livros infantis de culinária que não foram escolhidos por mim, mas que são tão bons que não poderia deixar de trazê-los aqui. Não há ordem de importância ou preferência, ok?

Dia de Festa - histórias e receitas para comemorar
texto: Gisela Tomanik
ilustrações: Luciana Schiller
editora: Nacional
 
Adorei a proposta deste livro: apresentar às crianças receitas e histórias gastronômicas associadas às diversas festividades e comemorações que nos rodeiam. Foi um daqueles livros que me fizeram parar e pensar “putz, que idéia fantástica, como nunca pensei nisso?” rsrs É fácil perceber que as nossas melhores lembranças gastronômicas (gustativas, olfativas, visuais e/ou auditivas), estão ligadas a comemorações, ou a momentos muito especiais. Aquele bolo de milho que sua mãe fazia no São João, o burburinho da família inteira enrolando docinhos para suas festas de aniversário, o cheiro das feijoadas ou churrascos nas comemorações de aniversário da turma, e por aí vai. Historicamente a humanidade celebra suas festas com comida, ao redor da mesa, em torno do fogão, e os textos do livro procuram mostrar essas associações entre as festas e a gastronomia. As ilustrações merecem ser comentadas a parte, pois dão um toque muito especial ao livro. Criativas e delicadas, elas são formadas por contornos bordados e uma série de elementos, como botões, tecidos, grãos etc. A estrutura do livro é dividida pelos vários tipos de festas, da nossa (casamento, aniversário, páscoa, Cosme e Damião) e de outras sociedades (ano novo chinês, halloween, festa das meninas - Japão). As receitas estão no final de cada capítulo, e são classificadas por faixa etária (3 a 6 anos, 6 a 10 anos e mais de 10 anos).



Um tico-tico no fubá - sabores da nossa história
texto: Gisela Tomanik
ilustrações: Camila de Godoy Teixeira e Rodolfo Zalla
editora: Nacional (coleção Dona Benta Comer Bem)

Como o primeiro, esse livro apresenta uma associação entre a gastronomia e a construção de sociedades, mas nesse caso a perspectiva é outra: a história antiga do Brasil, a partir do descobrimento. A idéia do livro é simples e envolvente, como todas as boas idéias. Em cada capítulo há um texto curto sobre a história do nosso país e a indicação de ingredientes ou tipos de pratos, seguidos pelas receitas, que possuem classificação etária (3 a 6 anos, 6 a 10 anos e mais de 10 anos). Por exemplo, o primeiro capítulo destaca o descobrimento do Brasil, ilustrado com imagem das caravelas, portugueses e índios. Depois do texto sobre o descobrimento, são apresentados outros com curiosidades sobre o palmito, a mandioca e o milho, e em seguida as receitas utilizando esses ingredientes. Outros capítulos falam sobre o ciclo do ouro, o ciclo do café, os bandeirantes etc. Uma forma deliciosa e divertida de, além de estimular o interesse pela culinária, ilustrar como se formou a história gastronômica de nosso país e seu povo.


 Doçuras de longe, sabores de monte. 
texto: Corinne Albaut
ilustrações: Aurelie Guillerey
editora: Nacional (coleção Dona Benta Comer Bem)

Outro livro da coleção Dona Benta. Desta vez as histórias gastronômicas e as receitas se reportam a países e regiões da Europa. Assim, cada capítulo do livro trata de uma região ou país, como Alemanha e Áustria, Espanha e Portugal, França, Itália. Uma viagem pela Europa, suas histórias e sabores. Para cada região, um texto com informações e curiosidades sobre as suas tradições culinárias, seguidas de receitas fáceis de serem repetidas pelas crianças.



Fogãozinho: culinária infantil em histórias
texto: Frei Betto e Maria Stella Libanio Christo
ilustrações: Regina Renó
editora: Mercuryo Jovem

Este é um livro especial por vários motivos. Mas para mim, o principal é que trata-se de um projeto de mãe e filho. A mãe, Maria Stella, foi autora de vários livros de culinária, e reconhecida como uma das maiores especialistas da culinária mineira. O filho, frei Betto, dispensa apresentações, pela sua militância pelos direitos humanos e a frente da mobilização social do programa Fome Zero. Pois bem, juntos eles criaram este livro que é perfeito para os que já estão na fase da leitura e dos questionamentos e reflexões sociais. O livro traz as histórias da turma do fogãozinho, e do menino João Limonada, que sente desde cedo a marca das injustiças sociais. As histórias da turma, contadas por frei Betto, são intensas e reflexivas, mas ao mesmo tempo fluidas e divertidas. As receitas trazidas por Maria Stella são fáceis e dispensam faca e fogão, própria para pequenos cozinheiros. Mas o que mais me chamou a atenção no livro foi a forma que os autores encontraram para juntar esses dois mundos. O livro se desenrola com as histórias da turma do fogãozinho e as receitas vão surgindo ao longo dela de uma forma muito gostosa e natural. Estou ansiosa para minha filha ter idade para ele, mas sei que não aguentarei esperar e o comprarei antes para mim rsrs


A panela amarela de alice: memórias de cozinha e maternidade
texto: Tatiana Damberg
ilustração da capa: Jana Magalhães
editora: Memória Visual

Esse, na verdade, não é um livro destinado às crianças, mas às mamães, tanto que nas livrarias está localizado na seção de puericultura. Mas achei que valeria a pena trazê-lo aqui, principalmente para as recém chegadas à maternidade. Ele e o da Juju eram os únicos que eu já conhecia, por conta das minhas pesquisas e aventuras gastronômicas, embora não os tivesse lido ainda. Tatiana Damberg, a Tatu, que mantem o Mixirica, um dos blogs de culinária mais badalados da net, escreveu este livro para dividir as suas experiências com a chegada da sua pequena Alice. Em tamanho mignon, o livro traz suas histórias desde o momento em que se descobriu como futura mamãe, e o desenrolar dessa doce (e louca...)* aventura. Para quem está embarcando nessa, o livro está cheio de receitas e dicas. Recomendo bastante para quem deseja formar uma experiência bacana do filho com a comida, criando um paladar diversificado e apurado desde cedo.

* parênteses por minha conta.

23 agosto 2011

Livros na cozinha


Juju na cozinha do Carlota
texto: Carla Pernambuco
ilustrações: Pinky Wainer
editora: Caramelo

A escola de minha filha trabalha com projetos trimestrais. Os projetos são abordados de forma multidisciplinar, ou seja, trabalham a linguagem, a escrita, a matemática, a história, e outras abordagens, e sempre há um convite de participação dos pais. Nesse trimestre, o tema do projeto me cativou de cara: Lápis, papel e garfo na mão. Embora eu tenha mais curiosidade que habilidade na cozinha, estou sempre buscando novas receitas e arriscando algumas coisas em casa, inclusive com ajuda de bons livros. E desde muito cedo estimulo a pequena a se aventurar também. De vez em quando eu solicito sua ajuda, e ela sempre vibra com isso. Despeja os ingredientes já medidos ou pesados, quebra os ovos, mistura com a colher, liga e desliga, com minha supervisão, os eletrodomésticos, dentre outras coisas. Quando a receita inclui palavras como “amassar”, “enrolar” ou “modelar”, vira farra pura. Procuro seguir um pequeno ritual: ela pega seu banquinho, eu pego a receita escrita, “lemos”, separamos, medimos e pesamos os ingredientes, preparamos e depois conferimos na receita se tudo foi feito certinho.

Por isso, quando tive conhecimento do novo projeto o desejo de comprar-lhe um livro infantil de receitas tomou conta de mim. Lembrei de já ter visto alguns em livrarias, e outros na net, mas não sabia ainda qual escolher. Assim, numa tarde tranqüila, fui sozinha a  uma livraria e olhei calmamente alguns livros no tema. O que começou como a despretensiosa escolha de um livro, terminou como uma divertida pesquisa sobre esse ramo da literatura infantil. Para minha surpresa, encontrei obras interessantíssimas, muito bem cuidadas, tanto no aspecto literário, como nas ilustrações, organização, e aspectos físicos, como tipo do papel e impressão. Alguns me fisgaram em cheio, e eu não poderia deixar de dividi-los aqui, mas eu tinha que escolher um, e devo confessar que apesar da qualidade das opções, essa não foi uma escolha difícil. Por isso, hoje irei apresentar o Juju na cozinha do Carlota, que foi meu escolhido, e na quinta-feira, excepcionalmente, trarei uma pequena resenha de outros livros do tema que merecem ser mencionados.

A minha escolha teve como critério principal a qualidade das receitas, e por isso afirmo que não foi uma escolha difícil. Como a autora faz questão de destacar, esse não é um livro de receitas infantis, mas um livro infantil de receitas. Aliás, a autora é a conceituada chef de cozinha Carla Pernambuco, proprietária do Carlota, um dos mais bacanas restaurantes paulistanos, e sua observação é perfeita. O livro traz receitas de fácil reprodução, que dispensam o uso de equipamentos complexos ou perigosos, mas não receitas "bobas" ou feitas para paladares pouco apurados. Pelo contrário, suas receitas exploram ingredientes e sabores diversos, possibilitando que os pequenos cozinheiros apurem e refinem seu paladar. E foi exatamente isso que me conquistou, pois era isso que buscava despertar em minha filha.

Carla escreveu o livro para sua filha Júlia, a Juju, que apresenta interesse pela culinária desde os 4 aninhos. Antes das receitas, o livro traz duas apresentações, uma da Juju e outra da Carla, ambas deliciosas de serem lidas com as crianças. São 29 receitas agrupadas em três capítulos: Salgados, Doces e Bebidas, e todas possuem classificação relativa ao seu grau de dificuldade, utilizando a ilustração de semáforos: verde para fácil, amarelo para médio e vermelho para difícil. O livro também tem uma apresentação sensacional, com ótimas ilustrações, inclusive para o passo a passo das receitas. Achei divertidíssimo observar minha filha, que ainda não lê, tentar decifrar as etapas de algumas receitas pelas suas ilustrações, e acertar a maioria. Ah, e no final o livro traz uma cartela de adesivos com algumas de suas ilustrações, o que deixou a Cachinhos, que adora adesivos, enlouquecida.

O livro é indicado para crianças a partir de 7 anos, idade da Juju quando o livro foi lançado, mas eu acho que com supervisão de um adulto e dependendo da desenvoltura da criança na cozinha, essa idade pode ser reduzida. Minha filha tem 4 anos e meio, e nós já fizemos 3 receitas: pão de queijo, (o pão pão queijo queijo), pasteis de banana, maçã e passas (os pastéis assados da Gabriela) e chocolate quente (o chocolate quente da fazenda). A massa do pão de queijo é feita no liquidificador, a massa dos pasteis é a comprada pronta e ele é assado no forno. Ela despejou todos os ingredientes do pão de queijo depois de me observar medi-los, junto comigo despejou a massa nas forminhas e sob minha supervisão assistiu encantada, pelo vidro do forno, os danadinhos crescendo lá dentro, segurou em minha mão para cortar as frutas, recheou, fechou e selou com um garfo os pasteis que eu coloquei no forno. Mas sem dúvidas o que mais curtiu foi mexer o chocolate quente quando estava no fogo: coloquei seu banquinho ao lado do fogão e fiquei ao seu lado, recomendando que ela levantasse mais o braço para que ele não encostasse na panela quente, segurasse na parte mais alta da colher de pau etc. Foi tudo muito gostoso, e o orgulho que ela sentiu ao servir o lanche ao papai foi impagável, assim como o que ouvi de sua boca outro dia: "Mamãe, eu decidi que não vou mais ser palhaço de circo (!!!) quando crescer, vou ser cozinheira, porque eu já sei cozinhar... ou eu posso ser palhaço de circo de manhã e cozinheira a tarde, né?"

Aqui em casa o livro está guardado na cozinha, junto com meus livros de culinária, e tem uma dedicatória que diz muito sobre minha relação com a cozinha:

Filha,
eu demorei muito tempo para descobrir que não nos sentamos à mesa apenas para matar a fome, e que as misturas em uma panela têm mais a ver com alquimia que com trabalho braçal. Torço que você demore menos tempo que eu para descobrir essas e outras verdades.
com amor,
Mamãe

 
Pastéis assados da Gabriela e Chocolate quente da fazenda:

Enviei o livro também para a escola, e a professora ao apresentá-lo para a turminha propôs uma votação para escolher uma receita para ser feita na sala. O chocolate quente ganhou e já foi feito pelos pequenos, que adoraram a experiência.

16 agosto 2011

As aparências enganam...

Guilherme Augusto Araújo Fernandes
texto: Mem Fox
ilustrações: Julie Vivas
editora: Brinque Book

O livro dessa semana é muito especial para mim, e eu estava louca para traze-lo aqui. Guilherme Augusto Araujo Fernandes é sem dúvidas um dos livros mais lindos que eu já tive o prazer de ler, daqueles que me emocionam e alegram a cada leitura. O interessante é que eu já o tinha visto nas prateleiras e sites das livrarias algumas vezes, mas seu título inusitado, confesso, nunca me atraiu. Uma capa de fundo branco, a imagem de uma velhinha e um garotinho de skate, e um título formado de quatro nomes próprios me parecia um conjunto nada atraente. Há pouco mais de um ano, entretanto, uma amiga me emprestou o exemplar de sua filha, junto com outros livros que ela havia utilizado na escola, e eu não pude acreditar que ele tinha uma história tão envolvente...

Guilherme Augusto Araújo Fernandes é um menino que mora ao lado de um asilo, e embora tenha um nome tão comprido, nem é tão velho assim. Ele é amigo de muitos velhinhos do asilo, especialmente de Dona Antônia, que perdeu a memória. Ao saber disso o menino sai numa busca para, primeiro descobrir o que é memória, depois encontrá-la para devolvê-la a sua amiga. Ajudado pelas percepções que outros moradores do asilo têm do que seja memória, o garoto consegue seus objetivos de uma forma ao mesmo tempo divertida e emocionante, sem se afastar da sua visão de criança. Além disso, o livro aborda a velhice de uma maneira muito doce, e o encontro de gerações com muita naturalidade. Eu, que fui uma criança que sempre gostou das histórias contadas por quem já viveu bem mais, fico particularmente emocionada com essa.

E o fato é que o  livro pouco atraente, que nunca ganhou sequer uma folheada minha nas livrarias, em minutos transformou-se em um dos meus favoritos, aliás, um do nossos favoritos. As aparências realmente enganam, e embora continue sendo atraída por elementos visuais e conceitos pré-definidos, depois de "Guilherme Augusto", estou muito mais atenta ao lado surpreendente dos livros infantis.

PS: comadre, obrigada por ter me apresentado essa pérola.

09 agosto 2011

Pai seta... Pai meta

Pê de pai
texto: Isabel Minhós Martins
ilustrações: Bernardo Campos
editora: Cosac Naify

O dia dos pais está chegando, e resolvi fazer uma pequena homenagem a eles. O livro Pê de pai descreve em suas páginas 24 “tipos” de pais. Na verdade nem são tipos de pai, são facetas que eles assumem no dia a dia, em suas relações com os filhos, e é impossível não se reconhecer, ou reconhecer alguém querido, em pelo menos algumas delas. O incrível é que o seu texto é formado apenas por expressões curtas, a maioria composta por duas palavras, e suas ilustrações, em poucas cores básicas, assemelham-se a sombras, quase sem detalhes e com poucos traços, e mesmo assim o livro transmite uma enorme sensibilidade. Acho que seu segredo está no fato da relação pai e filho ser tão intensa e presente na vida das pessoas, permitindo a compreensão e o encantamento assim, com elementos simples. Aliás, eu que sou assumidamente fã do que é simples mas carregado de significados, acho que é exatamente a simplicidade que dá o tom de encantamento ao livro, permitindo que cada leitor faça suas próprias associações e reconhecimentos.

Aqui em casa ele será uma homenagem ao pai da Cachinhos, no próximo domingo, que além de um companheirão para mim, é pai bóia, pai esfregão, pai colchão, pai doutor, pai freio de mão (meu favorito), pai chocolate e muito mais. Também reconheci nas páginas do livro o meu querido pai, que sempre foi meu pai casaco, meu pai escada, meu pai despertador, e hoje continua sendo meu pai cofre e meu pai motor.


Feliz dia dos pais!!! Para todos os pais, ou avós, ou tios, parentes ou aderentes, que conseguem ser para os filhos, ao mesmo tempo, pai seta e pai meta.

02 agosto 2011

A estrela de Neruda... uma indicação maravilhosa e estratégias maternas

Ode a uma estrela.
texto: Pablo Neruda
ilustrações: Elena Odriozola
tradução: Carlito Azevedo
editora: Cosac Naify

Lembro de ter tomado conhecimento da poesia de Pablo Neruda já no final do ensino médio, e lembro do impacto que ela me causou. Naquela fase ultra romântica da minha vida, sua forma de falar do amor me encantava e embalava. Tempos depois descobri que Neruda tinha falado de bem mais do que amor, e mais recentemente que ele também falou às crianças. E fico muito feliz em pensar que minha filha poderá conhecer a poesia de Neruda ainda na infância.

Ode a uma estrela é tão lindo quanto o título sugere. É poesia, mas contém uma história com início, meio e fim, o que é importante para prender a atenção e o entusiasmo das crianças. Contada em primeira pessoa, a história fala de um homem que, do alto de um arranha-céu, toca a abóbada noturna e apodera-se de uma estrela. Expressões como altíssimo e aflitivo para o arranha-céu e amor extraordinário para o ato de pegar a estrela, expressam o tom intenso do poeta. A história se desenrola pelas dificuldades que surgem com a posse da estrela, cuja luz atrai a atenção de muitos e dificulta as tarefas mais simples na vida de seu "dono", que afinal a liberta. A possibilidade surreal de pegar uma estrela e carregá-la no bolso, ou guardá-la debaixo de sua cama, o texto cuidadoso e as ilustrações sensacionais - que quase nos fazem tocar a luz da estrela - garantem o encantamento dos pequenos. Para os adultos, cabe uma boa reflexão sobre "pegar e guardar para si" um ser amado, que no fundo, queria retornar para a noite, e sem dúvida, tinha muito mais a oferecer estando livre. Em suma, livro para a família toda.

O livro foi comprado na farra que fiz na Livraria Cultura semana passada, mas estava na minha lista de COMPRAR URGENTE desde que o vi/ouvi na lista dos 30 melhores livros infantis de 2011, e eu quero falar um pouco sobre essa maravilhosa publicação da revista Crescer. Aliás, quero principalmente destacar o trabalho cuidadoso e apaixonado de Cristiane Rogério, que é editora de Educação e Cultura da revista, mantem a coluna semanal "Ler para Crescer" e é responsável pela área Livros para uma Cuca Bacana (que além de resenhas de livros agrupados por indicação de idade - uma excelente fonte de pesquisa para bons livros - traz entrevistas com escritores e ilustradores, contos de convidados especiais e os geniais vídeos da série Livro Contado) e pela seleção anual de "Os 30 melhores livros infantis do ano" - ufaaaa... Sou fã do trabalho de Cristiane e o acompanho há anos, sempre esperando ansiosa a divulgação dos "30 melhores", que está na sexta edição e cada vez melhor. Em 2010 e 2011 a apresentação dos 30 escolhidos incluiu um audio com a leitura do início das obras e um videozinho que mostra uma criança o manuseando. Um deleite para quem gosta de livros infantis. Clique aqui para ouvir e ver Ode a uma estrela.

O livro está aqui do meu lado, mas ainda não foi apresentado a minha filha, e isso tem dois motivos principais: eu escolho o melhor momento para apresentar livros a ela, e eu evito passar-lhe a ideia de consumismo, mesmo que seja com livros. Adoro escolher livros para minha Cachinhos, porque adoro imaginar como cada palavra, cada história, chegará ao seu ouvido, por isso procuro escolher o melhor momento para apresentar esse ou aquele livro. Na verdade, quero que os livros tenham o melhor impacto possível sobre ela, e embora erre algumas vezes (as vezes ela só vai se interessar por um livro meses ou anos depois de ter ganho), ainda prefiro seguir tentando acertar. O outro motivo tem a ver com o consumismo, do qual eu prefiro preservá-la. É fato que não sou uma pessoa consumista, mas tenho meus momentos de exageros, principalmente quando o assunto é livros. Compro muito mais livros que brinquedos para ela, e embora ache importantíssimo que ela tenha variedade e qualidade de livros em casa, não quero passar a ideia de descontrole, nem que os livros são comprados sem sacrifícios, o que não é verdade, MESMO. Enfim, sempre tenho livros guardados em uma caixa que mantenho no alto do armário do meu banheiro, aguardando o tal "momento oportuno" para chegarem a suas pequenas mãos. O momento pode ser dado por ela, ou simplesmente pelo espaçamento de tempo entre um livro e outro. Assim, Ode a uma estrela vai para a dita caixa, mas prometo voltar para contar quando ela "ler" pela primeira vez Neruda... precinto que será um grande momento.