continuando:
Bom, sei muito pouco sobre o assunto, vou escrever aqui apenas minhas observações de mãe e consumidora questionadora, ok?
- Pare para pensar: dos alimentos que você coloca no carrinho do supermercado à roupa que você escolhe para ir trabalhar, passando pelo presente de natal que você escolhe para o seu filho e o destino das suas próximas férias, tudo recebe, em menor ou maior grau, a influência da publicidade e do processo de massificação do consumo. Constatar isso me deixa um pouco assustada, pois me sinto invadida e manipulada, e com pouca autonomia até para tomar as decisões mais simples. Pode parecer exagero, mas não é. Recebemos informações para ditar o nosso consumir o tempo inteiro, na TV, no rádio, na net, nos outdoors e placas da cidade, o tempo inteiro, inclusive da boca de outros consumidores. E por mais que eu tente ser consciente e crítica sobre isso, sei que minhas decisões ainda são pautadas em muito pelo que a mídia diz que deve ser.
- Se é assim para mim, que sou adulta e com um razoável nível de consciência sobre a questão, imagina para as crianças... e eu acredito que se alguém aprende a ser dependente do consumismo na infância, dificilmente conseguirá ter uma visão crítica do consumo e da mídia quando adulto, o que, claro, interessa muitíssimo a quem tem como negócio vender. Por isso acho tão importante observar como nossas crianças estão consumindo e como elas estão pautando suas decisões de consumo. E aí, caramba, tem coisas que simplesmente não são normais. Uma menina de 3 anos que passa brilho labial a cada 2 minutos enquanto brinca de jogo da memória a ponto de perder sua vez de jogar, ou que se recusa a usar uma roupa porque não tem uma “certa rata” estampada (tá, eu sei que é uma coala!), para mim não é normal. Vi acontecer essas duas cenas e desculpa, mais que anormal, isso é desumano.
- Além do seu potencial consumidor, as crianças têm ainda o poder de influenciar os adultos, principalmente os pais, a sua volta. Eu particularmente acho meio absurdo que um adulto escolha seu carro pela influência dos filhos, mas se as empresas automobilísticas gastam horrores em campanhas publicitárias com claros apelos infantis, não tenho dúvidas, tem muito adulto que sofre esta influência sim. Se tem palhaços e bonecos grotescos distribuindo balões e pirulitos em supermercados, postos de gasolina e lojas de material de construção, é porque o público infantil influencia no comportamento de consumo dos adultos sim. Eu não entendo quase nada de publicidade, mas sei que se tem uma coisa que empresário não faz é gastar dinheiro com o que não tem pelo menos muita chance de dar retorno.
- Mas se as crianças influenciam as decisões de consumo dos pais, os pais influenciam muito mais o relacionamento de seus filhos com o consumo. Quando ouço uma mãe falar que comprou isso ou aquilo porque seu filho pequeno alegou que era o único da escola/turma que ainda não tinha, eu penso logo que tem alguma coisa errada com a mãe. Evito fazer esse tipo de acusação, porque sei que quase sempre elas são injustas, mas nesse caso é inevitável. Uma vez uma amiga me disse que estava se endividando toda para fazer a festa de sua filha em um buffet porque a pequena, de 4 anos, chorou arrasada dizendo que todas as crianças da sala dela comemoraram seu aniversário em buffet menos ela. Caramba, um comportamento assim não seria “esperado” pelo menos na pré-adolescência? Isso me cheira muito mais a desejo e frustração da mãe sendo transferido para a filha. E como eu escuto o clássico “ela quem pediu. É dela, não ensinamos nada”... Como assim, cara pálida? Criança nenhuma nasce sabendo consumir, ela aprende com estímulos, e se não é você quem está estimulando, alguém está, e é melhor descobrir como.
- E aí não tem jeito, a TV é mesmo a maior fonte de influência para o consumo, embora não seja a única, para crianças e para adultos. E não falo apenas dos “reclames do plim-plim”. É filme, novela, programas de auditórios, todo mundo tem conta para pagar, e precisa de patrocinador (rsrs). Quem nunca identificou uma cena “nada a ver com nada” no meio de um programa com um personagem sedento abrindo uma lata de bebida ou elogiando algo de outro personagem, que solicitamente explica todas as vantagens do referido bem? Pois é, isso é lavagem cerebral, e para mim, quando envolve criança, é uma puta sacanagem.
- Fico revoltada ao ver crianças vestidas de adultos mirins. E nesse quesito, as meninas sofrem bem mais - e como mãe de menina, sofro mais junto. Salto alto, unhas pintadas, maquiagem, roupas insinuantes – e todos os adultos em volta achando aquilo lindo. Aí me chegam os pais de uma menina que recebe esse tipo de estímulo desde que começou a andar e me diz que ela só anda de unha pintada aos 3 anos porque exige isso e que pediu para comemorar seus 5 anos num salão de beleza porque “é dela”, ninguém “ensinou”. Ahamm, claro. E aí as novelas são as melhores escolas, né? Tem adulto que acha o máximo ver crianças em novela vestida e agindo igual a adulto - eu morro de vergonha alheia.
*Atenção, não estou falando de vaidade ou curiosidade/vontade de imitar o adulto. Minha filha adora escolher suas roupas e penteados, simular maquiagem em sua penteadeira de brinquedo, e tem a maior curiosidade quando estou me maquiando ou fazendo as unhas, mas sabe que aquelas coisas são para serem usadas por adultos, e ela só terá acesso quando for adulta também. Recentemente dei a ela um esmalte infantil, desses que saem com a água. Ela me pedia há bastante tempo, porque vê várias coleguinhas irem para a escola diariamente de unhas pintadas, e eu achei que com cinco anos já poderia ganhar. Dei e o engraçado é que ele anda lá esquecido, muito de vez em quando ela lembra de usar. Ai, é por isso que eu procuro usar o PROIBIDO apenas em casos extremos... ele é sempre mais interessante, e deixa misteriosamente de interessar quando passa a ser permitido.
- Mas na publicidade, nada me revolta mais do que os produtos alimentícios. A última que vi, numa sala de espera de consultório médico, me deixou indignada: uma mãe em uma fazenda perguntando a “elementos da natureza” (laranjeira, passarinho e porco) se o suco que ia oferta ao seu filho era feito com frutas de verdade, não tinha corante e tinha as mesmas calorias de uma maçã (olha só, não preciso mais comprar frutas para garantir saúde e livrar minha filha da obesidade !). E os salgadinhos do tigrinho que querem me convencer de que os ingredientes usados são apenas aqueles mostrados na propaganda e que por serem assados e não fritos são super saudáveis? Ah, e a lanchonete do palhaço que agora vai concorrer com os restaurantes naturais porque incluiu a possibilidade de uma maçã nos seus combos? Eu já ouvi uma pessoa me dizer “mas você espreme laranja? Aquele suco de caixa tem até os gominhos da fruta, pra quê essa trabalheira?“. Juro que dá vontade de chorar...
- Bom, observo, analiso e questiono sobre todas essas coisas, e venho tomando algumas medidas desde que minha filha nasceu ou ao longo do processo: não assistimos novela em casa, na verdade não assistimos quase nada além de resenhas esportivas, noticiários e desenhos animados; evito roupas de marca e/ou personagens (ela praticamente só tem as que ganhou de outras pessoas) e consumir em lanchonetes que usam venda casada de brinquedinhos; reduzimos consideravelmente o consumo de alimentos superprocessados em casa (refrigerantes, salgadinhos, recheados e as chamadas guloseimas praticamente não entram); procuro ser criteriosa com os brinquedos que ela tem acesso, etc. Faço isso porque entendo que esse é um papel meu e do pai dela, mas nunca tinha questionado se caberia ao Estado regular as mensagens publicitárias que chegam às crianças. Por total ignorância partia do princípio de que morando em um país capitalista regido, dentre outros, pelo direito a propriedade, "as coisas são como têm de ser", e não via possibilidade de serem diferentes.
- Foi aqui na net, mais especificamente nos
blogs maternos, que ouvi pela primeira vez sobre autorregulação, regulação e proibição da publicidade infantil. Ainda me sinto incapaz de tomar partido sobre isso, mas para mim fica cada vez mais claro que o nosso modelo de autorregulação do setor não atende aos anseios de uma sociedade que deseja consumir de uma forma crítica e lúcida (aliás, dá para dizer que esse é um desejo da nossa sociedade???). Nossos adultos não têm conhecimento crítico suficiente para analisar e filtrar o que deve ser exposto à suas crianças - ponto. E para mim, sem isso a autorregulação é mais uma história para boi dormir.
- Por outro lado, a responsabilidade dos pais continua sendo enorme, até porque o exemplo em casa continua sendo o mais importante influenciador do comportamento infantil. E acredito que apenas tendo exemplos de pessoas que sejam capazes de filtrar e criticar as mensagens recebidas pela mídia, nossas crianças serão capazes de fazer suas filtragens também. Entretanto, com adultos tão imersos no mundo consumista e tão crentes nas historinhas que a publicidade conta, como torná-los responsáveis? Alegar que cabe aos pais filtrar o que seus filhos vêem e que portanto pode-se expor qualquer coisa na TV, é no mínimo muita cara de pau.
Obrigada a quem conseguiu ler até aqui. São apenas algumas considerações pessoais, cheias de dúvidas e algumas certezas. Gostaria acima de tudo de convidar todos a pensar e questionar sobre estes pontos. Enquanto não se decide a melhor forma de conduzir a publicidade infantil, acho que cabe a nós, pais e reponsáveis, informar-se, questionar e debater sobre a melhor forma de atuarmos na formação dos nossos pequenos consumidores. Quem consome e não questiona é presa fácil nessa briga de titãs...