20 novembro 2012

Sobre quem vamos falar no dia da Consciência Negra?

Pretinha de Neve e os Sete Gigantes
texto e ilustrações: Rubem Filho
editora: Paulinas

Imagino que os que me conhecem há mais tempo estranhem que uma versão politicamente correta de um clássico infantil chegue aqui ao Cachinhos. Quando a onda do "politicamente correto" chegou até mim, rapidamente me posicionei contra ela. Porque... ora, porque era chata demais. Não poder cantar as cantigas de roda do jeito que eu, e várias gerações antes de mim, cantaram, é chato demais! Não poder usar uma expressão, e ainda substituí-la por outra que “assassina o português", mais que chato é constrangedor!

Pior é quando o "politicamente correto" chega à literatura infantil. Mexer nas histórias clássicas, transformar lobo mau em lobo bom, acabar conflitos e tornar princesas e madrastas amigas, dentre outras coisas, torna tudo descaracterizado e... chato. Além disso, a infância precisa ter acesso a conflitos, desafios e seres temíveis de uma posição segura para compreender melhor sua realidade e o mundo em que vive, e assim amadurecer. Um final feliz depois de todas as intempéries da história é libertador não apenas para as crianças.

Mas enquanto criticava e acusava de chata tanta patrulha, a danada da minha cabeça insistia em me fazer pensar (que chato!). Fui refletindo sobre a importância de se parar para reavaliar o "modus operandi" para que o mundo e nossas sociedades possam evoluir. Bom, eu só não queria ser A chata que faz isso, mas comecei a admirar bastante quem tem peito para ser tão chato assim - recentemente encontrei nesse texto uma ilustração do que minha cabeça fervilhava.

E foi então que cheguei ao maravilhoso e perturbador texto de Ana Maria Gonçalves sobre a polêmica em torno de Monteiro Lobato e do seu livro Caçadas de Pedrinho. Na época eu estava investigando para tentar entender melhor o caso: em resumo, estava sendo questionada a adequação à legislação antirracista deste livro, escolhido para ser distribuído nas escolas públicas de Ensino Fundamental, e caso não houvesse adequação, solicitado que o mesmo fosse recolhido*. Grande polêmica se deu a partir daí. Anônimos e famosos posicionavam-se contra o absurdo de querer censurar o maior escritor para crianças do Brasil, e chamar de racista um homem que viveu em uma época em que chamar um negro de urubu era algo absolutamente aceitável. Afinal, quantos “homens e mulheres de bem” haviam tido acesso a este livro na infância?

Mas o texto de Ana Maria Gonçalves foi além da falácia corriqueira, e me fez pela primeira vez ver realmente a questão do “politicamente correto” com outros olhos. O questionamento inquieto que ela lança é: afinal de contas, de quem estamos falando??? Trata-se de uma caça às bruxas em cima de Monteiro Lobato? Não, não é esta a questão. Lobato era indiscutivelmente racista e defensor da eugenia, e digo isso não baseada em suas obras, mas em trechos de cartas suas trocadas dentre outros com o médico Renato Kehl que no Brasil propagava a superioridade racial (um trechinho para ilustrar: “um dia se fará justiça ao Ku Klux Klan; tivéssemos uma defesa dessa ordem, que mantém o negro no seu lugar... porque a mestiçagem do negro destrói a capacidade construtiva” – trecho de carta a Arthur Neiva retirado daqui). Mas, lamento, não é de Lobato que devemos falar. Sua obra é de qualidade indiscutível, assim como seu talento literário e o legado que ele deixou para a literatura infantil brasileira. Mesmo sabendo que na mesma época em que ele viveu, viveram homens que lutaram pela igualdade racial, não é dele que esta polêmica trata. Questionar o uso de Caçadas de Pedrinho por alunos da nossa rede pública de ensino fundamental não é um simples ato de afronta ao racista Monteiro Lobato.

Tampouco esta polêmica trata de mim ou de você, caro leitor (a não ser que alguma criança negra estudante de escola pública esteja lendo este texto – o que me deixaria orgulhosíssima). Lamento, “homens e mulheres de bem”, independente da cor da sua pele, não é de você que devemos falar. Quem questionou a adequação do livro à legislação antirracial falava das milhares de crianças negras brasileiras, estudantes de escolas públicas, tendo que conviver na sala de aula com expressões racistas. Recomendo que leiam na íntegra o texto de Ana Maria, mas vou copiar um trecho deste aqui por minha absoluta incapacidade de reproduzir bem, de outra forma, suas palavras:

“Peço agora que você faça um exercício: imagine uma criança na sala de aula das escolas públicas de ensino médio e fundamental no Brasil. Negra. Sei que não deve ser fácil colocar-se sob a pele de uma criança negra, por isso penso em alternativas. Tente se colocar sob a pele de uma criança judia numa sala de aula na Alemanha dos anos 30 e ouça, por exemplo, comentários preconceituosos em relação aos judeus... Ou então, ponha-se no lugar de uma criança com necessidades especiais e ouça comentários alusivos ao seu "defeito"... Talvez agora você já consiga sentir na pele o que significa ser essa criança negra e perceber a carga histórica dessas palavras sendo arrastada desde séculos passados: "macaca de carvão", "carne preta" ou "urubu fedorento", tudo lá, em Caçadas de Pedrinho, onde "negra" também é vocativo. Sim, sei que "não se fala mais assim", que "os tempos eram outros". Mas sim, também sei que as palavras andam cheias de significados, impregnadas das maldades que já cometeram, como lâminas que conservam o corte por estarem sempre ali, arrancando casca sobre casca de uma ferida que nunca acaba de cicatrizar.

Fique um pouco de tempo lá, no lugar dessa criança, e tente entender como ela se sente. Herdeira dessa ferida da qual ela vai ter que aprender a tomar conta e passar adiante, como antes tinham feito seus pais, avós, bisavós e tataravós, de quem ela também herdou os lábios grossos, o cabelo crespo, o nariz achatado, a pele escura.”

Percebem o quanto é fácil e vago falar do racismo enquanto alguém que não sofre nem dissemina o racismo? Como dizer se “macaca de carvão” é ou não uma expressão adequada para crianças se você não é uma criança negra em uma sala de aula provavelmente cheia de crianças brancas? Enquanto não aprendermos a nos colocar no lugar do outro, enquanto não sairmos da posição de centro das atenções, muito pouco irá mudar. E enquanto isso, e considerando que trata-se de crianças, não seria mais prudente pecar pelo zelo?

Poderia falar muito mais sobre isso, mas prefiro contar um fato pessoal para ilustrar a questão: há alguns meses li uma notícia na internet que dizia que o SBT tinha sido obrigado pelo Ministério Público a trocar a expressão “seu negro” por “seu sujo” usada pela personagem Maria Joaquina em relação à personagem Cirilo, na novela Carrossel. Lembro de ter visto uma cena em que a expressão foi usada e termos comentado, eu e meu marido, como “seu sujo” parecia muito mais depreciativo a um negro, e que seria preferível ser usado simplesmente negro. Uns dois meses depois minha filha chegou da escola perguntando, visivelmente surpresa, se nós sabíamos o porquê de Maria Joaquina maltratar Cirilo. Meio assustados dissemos que não e ela respondeu “porque ele é negro, mamãe! Porque ele é NEGRO, você acredita?!?!”. Para nossa surpresa, nem ela nem os seus coleguinhas de sala, mesmo depois de assistir episódios da trama, tinham percebido que o tratamento que o menino negro recebia da menina branca referia-se a cor da sua pele. Foi preciso um adulto chamar a atenção de uma das crianças, e esta a atenção das demais, para que eles percebessem "o óbvio". Se a expressão “seu negro” estivesse sendo usada não teriam eles internalizado a questão sozinhos e muito mais rápido?

Diferente do que possa parecer, o preconceito não é inerente aos humanos. Preconceito se aprende, se ensina – em frases despretensiosas, em olhares maldosos, em gestos não contidos... e não sejamos ingênuos, está em mim, em você, inclusive na criança que já teve contato com ele. Precisamos de uma revolução muito maior e dolorosa para construir um mundo mais igualitário do que simplesmente parar de trabalhar no dia 20 de novembro...

Em relação a Pretinha de Neve e os Sete Gigantes, trata-se de uma divertida reconstrução do clássico infantil. A cor da pele da protagonista e a estatura dos seus sete amigos não é a única alteração em relação ao texto original. Esta versão acontece na África, no alto do Kilimanjaro, onde também neva. Não há madrasta, mas padrasto, que apesar de ausente e cruel, não tem poderes maléficos, nem quer matar a enteada. O espelho mágico foi substituído por um caldeirão que também fala, e Pretinha vai para a floresta sozinha e por sua vontade – e sem o consentimento de adultos. O grande vilão da história é mesmo a pouca atenção que os pais dão à menina, sempre envolvidos que estão com suas próprias atividades – quer conflito mais atual que este?


* Recentemente um requerimento similar foi encaminhado a CGU em relação ao livro Negrinha, também de Monteiro Lobato, comprado para distribuição nas escolas públicas de Ensino Médio (também pelo PNBE – Programa Nacional de Bibliotecas nas Escolas) - notícia aqui. Para conhecer o parecer do MEC sobre Caçadas de Pedrinho veja aqui. Mais informações aqui e aqui.

17 novembro 2012

E quem tem medo do Rato Mau???

O filho do Grúfalo
texto: Júlia 
ilustrações: Axel Scheffr
editora: Brinque-Book

Postagem rapidinha só para falar que O Filho do Grúfalo é mesmo uma excelente continuação de O Grúfalo. Sim, achei importante dizer, já que continuações de livros infantis (e livros de outras categorias, e filmes, e peças teatrais, e discos...) nem sempre conseguem acompanhar o talento e bom gosto do primeiro. Mais que isso, queria dizer que trata-se realmente de uma continuação, e não apenas de uma outra história sobre o mesmo tema. Desta vez, o filho do Grúfalo decide aventurar-se na floresta mesmo contra a proibição de seu pai, que teme o terrível Rato Mau, que ele conheceu anos atrás. Da mesma forma que o ratinho no primeiro livro criou o temível Grúfalo, é o Grúfalo quem agora cria o temível Rato Mau, baseado nas suas lembranças - lembranças cheias de medo e temor. E o pequeno Grúfalo, cheio de coragem, parte em busca do tal Rato Mau. Tudo bem, o ratinho é esperto, e mesmo não sendo terrível nem temível, mais uma vez consegue enganar um Grúfalo.

Chegou pela ciranda de livros da escola da filha há algumas semanas, e hoje o Disney Júnior passou os dois filmes que recontam os dois livros. Delícia!

06 novembro 2012

Perdidos em Paris


Paris y es-tu?
textos e ilustrações: Masumi
editora: Parigramme

Ando tão enrolada ultimamente que fico assustada quando percebo que deixei de fazer coisas importantes. Como diz uma amiga, estou no modo “gincana” – o problema é que estou nele há tempo demais... preciso mesmo desacelerar e deixar de lado algumas coisas (Foco! Foco!). Por isso não sei como ficará o Cachinhos até o final do ano, talvez com posts mais esporádicos. Mas a boa notícia é que tenho novidades para 2013! Não será nada grandioso, mas finalmente vou fazer a personalização que este blog há tanto tempo merece. A primeira parte já está pronta, e garanto que está linda demais. Mas os outros detalhes só ficarão prontos em janeiro mesmo. Enquanto isso, vamos nos encontrando nesse espaço ainda impessoal, mas que já nos acolheu tantas vezes, não é? Estou bastante empolgada com as ideias que tenho tido para o Cachinhos, e acho que vocês irão gostar bastante.

Bom, mas uma das coisas importantes que deixei de fazer foi trazer aqui os outros livros que adquiri na viagem à Europa. Trouxe dois dos livros de Portugal e o da Eslovênia, prometi trazer os outros... e nada. Esqueci completamente. Mas na semana passada fiz um e-mail para uma amiga, que planeja uma ida à Paris com as filhas, com umas dicas do que funcionou lá com a minha filha, e só então lembrei deste livro tão divertido que a pequena adora folhear na hora de dormir (principalmente quando não quer dormir).



Nós compramos Paris y es-tu? na lojinha de souvenir da lindíssima Saint Chapelle, e foi sua lembrança de Paris – em cada cidade que íamos ela tinha direito de escolher uma lembrança para levar. Estava à venda também sua versão em inglês, mas é claro que preferimos em francês. A proposta do livro é super interessante: um tour por Paris a procura do pequeno parisiense Théo, que está à procura de seu cachorrinho Potchi, que por sua vez persegue um balão amarelo de gás. Todas as páginas são ilustradas com cenas de Paris, como a Tour Eiffel et Champs de Mars, Montmartre e Parvis de Notre Dame, e no meio das ilustrações estão Théo, com seu lencinho vermelho amarrado no pescoço, Potchi e seu balãozinho amarelo, e você deve encontrá-los, no melhor estilo Onde está Wally? Além disso, para cada paisagem há um pequeno texto falando sobre o ponto turístico e revelando detalhes da capital francesa. Um deleite para apaixonados por Paris de qualquer idade, e para apaixonados por ilustrações também – é fascinante ficar observando as microcenas que compõem o todo de cada página.



Minha pequena adora este livro, e sempre me pede para lê-lo (!?!?!). E eu atendo, embora nós duas saibamos que tudo que faço é desenrolar um “embromation” com as poucas palavras que conheço em francês. Tudo bem, procurar Théo, Potchi e o balão é mesmo seu maior interesse. Além do mais, é muito bom para mim exercitar um pouco a capacidade do “faz de conta” que misteriosamente perdemos ao longo da vida...



PS1: é possível comprar Paris y es-tu? pela Fnac: aqui
PS2: estou tentando incluir fotos do interior dos livros nos posts, mas peço paciência com essa pessoa que ainda não descobriu uma forma razoável de fazer isto...

29 outubro 2012

Iguais, mas diferentes!

Sai pra lá!
texto e ilustrações: Ana Terra
Editora: Larousse Júnior

Ainda refletindo sobre a discriminação e a reprodução de estereótipos, lembrei desse livro super fofo e divertido que acho que alcança bem as crianças a partir dos 3 anos. Sai pra lá! conta a história de quatro ovelhas: Branca, Albina, Neve e Clara. Quatro ovelhas fofinhas e branquinhas, que adoravam exibir sua bela lã. Mas um dia... ah, um dia Clara sumiu! Mas não sumiu por muito tempo, não. Logo ela reapareceu... sem sua lã. Pois é, Clara estava rosada e magrela, provocando muitas risadas das amigas.




E não demorou muito para Albina também sumir, seguida de Neve e Branca. Ops! Atrás da moita surgiram três ovelhas magrelas e rosadas, e desta vez, Clara sorriu baixinho: "agora todas estavam iguais a ela". IGUAIS? Apenas agora, sem lã, foi possível descobrir que Neve tem uma manchinha na pele, Albina tem perna fina, Branca usa calcinha de elanca e Clara... ah, Clara é a única ovelha que sabe cantar! A gaúcha Ana Terra é uma ilustradora encantadora (veja aqui), e tem se mostrado também uma excelente autora. As ilustrações do livro utilizam várias texturas e elementos, como fotografias, rendas, filós, tecidos e papéis reciclados, além de serem absolutamente cute! :)


Uma história simples que destaca como, por mais parecido que pareçamos, todos temos nossas particularidades, nossas características que nos fazem únicos. Um assunto que merece ser levado às crianças, já que na maioria das vezes elas (em especial as tímidas) preferem mesmo realçar o que as iguala e disfarçar o que as diferencia. E isso me lembra uma historinha recente nossa: na semana passada minha filha foi convidada para uma festa de halloween no nosso prédio. Perguntei a ela que fantasia ela gostaria de usar, torcendo que escolhesse de bruxa, pois já tinha alguns elementos em casa. Ela escolheu fantasiar-se de fantasma, provavelmente incentivada por este livro que ela adora. Perguntei se ela não preferia a fantasia de bruxa, numa última tentativa de facilitar a minha vida, mas ela foi taxativa, queria ir de fantasma. Ok! Pesquisa na internet, visita armarinhos, e passei a manhã de sábado produzindo com tnt branco a tal fantasia de fantasma - tarefa que eu adorei, na verdade... rsrs À noite, fiz uma maquiagem com muita sombra branca em seu rosto, e entre risadas e gritinhos, a mandei feliz para a festa com o pai.

Menos de 10 minutos depois voltam os dois, ela chorosa, ele irritado. Resumo da ópera: 95% das meninas da festa estavam vestidas de bruxa, e ela era o único fantasma, chamando atenção de todos. Choramingando me disse que não queria mais aquela fantasia, que não tinha gostado de ser fantasma e queria uma fantasia de bruxa. Nas entrelinhas descobri que um menino olhou espantado quando ela chegou e deve ter feito algum comentário maldoso que ela não quis me contar. Conversa daqui, conversa de lá, fui tentando fazê-la perceber primeiro que seu problema não era a fantasia, que obviamente ela tinha adorado. Depois disse que sua fantasia era sensacional, porque era exclusiva... "mamãe, o que é exclusiva?". O final da história é uma fantasminha camarada que curtiu muito sua primeira festa de halloween e chegou em casa depois das 22h descalça, suada e exausta!

Sempre curti e incentivei a autenticidade dela, que sempre mostrou pouco interesse e preocupação em "seguir a manada". Mas de uns meses para cá isso tem começado a mudar. Ela ainda é criativa e espontânea, mas tem se mostrado em alguns momentos influenciável - como quando pede para assistir Carrossel, claramente para acompanhar o "papo na escola". Espero que ela não demore muito a perceber que há muitas vantagens em ser diferente, em ser exclusiva. Mesmo que de vez em quando desejemos apenas "sumir" na multidão...

25 outubro 2012

Das surpresas que a simplicidade pode esconder...

Aperte Aqui
texto e ilustrações: Hervé Tullet
editora: Ática

Ontem à tarde comecei a escrever um post sobre um livro que nós gostamos muito, com o intuito de colocá-lo hoje no ar... mas ele vai ter que esperar um pouco mais. É que à noite fui à livraria pegar um livro que comprei pela internet e claro, aproveitei para dar uma olhada nas prateleiras da sessão infantil. Já tinha visto Aperte Aqui algumas vezes, inclusive na seleção 2012 dos 30 melhores livros infantis da Crescer, mas só ontem resolvi folheá-lo. Sua capa predominantemente branca, com três bolinhas de cores diferentes, não é mesmo das mais instigantes. Além disso, sempre julguei que fosse direcionado a crianças muito pequenas, daqueles livros bobinhos que ensinam cores e formas – quem disse que não há preconceito literário e que estou imune a ele?

Mas enfim peguei o livro e fui ficando mais e mais surpresa a cada virada de página. Ele é muito, muito bom! Divertido, estimulante e com um projeto gráfico lindo. E de uma simplicidade que chega a ser desconcertante que um livro tão bom seja tão simples rsrsrs É realmente um livro para crianças pequenas (indicação a partir de 2 anos segundo a Crescer), mas será que crianças maiores reagiriam bem a ele? Testei na hora. Chamei minha filha (quase 6 anos), sentamos em um cantinho e o entreguei pedindo que ela lesse suas frases simples. Foi delicioso perceber que ela entrou na brincadeira imediatamente, já na primeira página, que apresenta uma bolinha amarela e diz “Aperte a bola amarela e vire a página”. A pequena apertou e virou, continuando com a brincadeira. E ela ria e ria, enquanto obedecia às ordens de “clicar”, sacudir, virar para a esquerda, virar para a direita, soprar, bater palmas. Fico com os dedos coçando para contar mais sobre ele aqui, mas não vou estragar a surpresa para vocês.

Absolutamente interativo, ele apresenta novas possibilidades para os livros em plena era digital, onde as crianças estão tendo acesso cada vez mais cedo à internet, jogos eletrônicos, aplicativos em celulares, tablets e toda sorte de brinquedos. Aliás, hoje, falando empolgada dele para meu marido, disse exatamente isso, que achava que sua proposta era mostrar que é possível aos livros permitirem interação, aventura e surpresa tanto quanto os aplicativos eletrônicos. Para mim até mais, pois um leitor tem muito mais espaço para imaginar e criar que um usuário digital, ou não é?

Ainda é preciso dizer que sua impressão é muito bem cuidada, com capa dura e papel fino, mas resistente, e que Hervé Tullet é francês, artista plástico e autor de vários livros infantis de sucesso – mas este é o seu primeiro livro lançado no Brasil. Recomendadíssimo! Fico pensando nas crianças que conheço que certamente o curtiriam, principalmente aquelas que andam valorizando demais brincadeiras eletrônicas... e sei que ele será uma ótima opção de futuros presentes. Presente para crianças de todas as idades... inclusive da minha rsrs

21 outubro 2012

Um carrossel de estereótipos e um morango sardento

Morango Sardento
texto: Julianne Moore
ilustrações: LeUyen Pham
tradução: Fernanda Torres
editora: Cosac Naify 

Conheci o livro de hoje há bastante tempo em uma livraria, mas só esta semana tive a oportunidade de comprá-lo e analisá-lo com calma. Foi o presente escolhido para uma pequena aniversariante desta semana. É o primeiro livro da atriz Julianne Moore, e retrata sua própria infância, a infância de uma menininha de cabelos vermelhos e muitas sardas, que na escola era perseguida pelo apelido de Morango Sardento. Ser diferente despertava a curiosidade - e crueldade - dos seus colegas da escola, e ela negava aceitar-se como era, e queria livrar-se das sardas a qualquer custo. Mas nenhuma das suas tentativas - de esfregão à canetinha - eliminara as pintinhas em seu corpo. Evitar destoar da maioria e buscar aceitação é bem a fase que tenho percebido a filhota e seus amigos entrarem (5 a 6 anos). Também tenho percebido o início de uma certa vigilância para identificar e apontar aquele que é diferente... Para quem acredita que essa nova geração pode fazer melhor do que as que aí estão, é momento de muita atenção e orientação. Porque preconceito e discriminação é coisa que se aprende, e das mais diferentes formas: uma frase dita em casa, uma imagem vista na rua, numa conversa com colegas da escola, e claro, na televisão.

E refletindo sobre tudo isso, não pude deixar de lembrar da atual sensação televisiva para crianças:  Carrossel. Aqui em casa não assistimos novela há muitos anos, e eu que quase nunca assisto TV (meu vício é mesmo a internet) sequer sabia que a novela que eu assisti na adolescência estava de volta numa versão brasileira. Mas a filha descobriu tudo sobre o programa na escola. Uma criança começou a assistir e em uma semana todas as crianças da salinha de cinco anos queriam assistir também. Não foi diferente com a minha criança, e lá fui eu descobrir o conteúdo do programa para saber como agir. A fórmula é basicamente a mesma da primeira versão: uma turma escolar que tem uma professora boazinha e uma diretora má, recheada pelos dilemas escolares e familiares dos alunos. Bom, é preciso dizer que a versão SBTeana veio acrescida de cavalares doses de merchandising (nunca reparou? veja aqui, aqui e aqui), mas nem vou falar disso já que outros já fizeram com muito mais competência.

O que eu gostaria de comentar é o fato dessa inocente novelinha infantil desfilar um elenco de crianças estereotipadas, que rapidamente viram referência para nossas crianças. Sim, tem a gorda que é abobalhada e rasga roupas ou fica presa nelas, o negro que é pobre e vive sendo humilhado, a rica que é fútil, egoísta e preconceituosa, o gordo que só pensa em comer e tira as piores notas, os meninos "expertos" que são levados e maldosos, dentre outros... e não faltam cenas em que suas características são expostas e muitas vezes ridicularizadas (sem falar na faxineira nordestina que fala errado e é intrometida). Pois é, uma reprodução dos preconceitos e das segregações que nossa sociedade reproduz diariamente, mas embalada numa atraente trama para crianças, sem limite de idade. E como são atraentes!!! São crianças como eles, com realidade e dilemas como os deles, além de um bom repertório musical, um cenário colorido e situações engraçadas. Não sou especialista, mas sou mãe e observadora, e sei que não precisa de muito para perceber o quanto as crianças se identificam automaticamente com outras crianças em situações que lembrem as suas: escola, colegas, relacionamento com professores, pais, irmãos, amigos, brincadeiras, estudos, enfim. Eles se identificam e querem imitar, reproduzir a "fantasia do real" em suas vidas.

Sim, eu sei que a menina preconceituosa vai se arrepender de tudo que fez, assim como os meninos maldosos, e que o que tira notas baixas vai passar a se destacar na turma, e todos viverão felizes para sempre... mas a criança pequena não fica esperando o final da novela, ela é esponjinha que absorve a informação agora, já. E eu posso dar um exemplo disso: minha filha e todos os seus coleguinhas da escola acham Maria Joaquina boba e egoísta, mas há algumas semanas ela veio da escola contando que um colega lhe disse que não queria mais ser seu amigo pq assim como Cirilo ela também é negra. Crianças pequenas não entendem os artifícios usados para se desenrolar um enredo, principalmente um enredo que se estende por tantos capítulos e dias, e uma trama que sofre várias idas e vindas e pequenas reviravoltas. Elas não percebem as nuances de críticas e ironias contra atitudes condenáveis, principalmente quando envoltas em situações engraçadas ou dramáticas. Aliás, essa é uma habilidade que muitos adultos não conseguem desenvolver também... E o que assistimos é a reprodução de velhos e mofados estereótipos e condutas, para uma galerinha que merecia muito mais!!!

Mas infelizmente, o que tenho notado é que poucos pais questionam e analisam o conteúdo que chega aos seus filhos através desta novela - novela para criança, veja só... - e acabam achando legal e "fofinho"  que os filhos queiram repetir frases, comportamentos e produtos usados pelos personagens (o que, claro, os marqueteiros já perceberam e lançaram toda sorte de produto com a marca). Sei que muitos dos que me leem deixam os filhos acompanharem a novela, e não quero aqui ditar como devem agir, mas quero deixar minha opinião pessoal sobre o assunto e convidá-los a refletir sobre isso. O conteúdo é ruim, não é adequados para crianças pequenas porque reproduz estereótipos e massifica comportamentos, além de ser extremamento abusivo na publicidade de produtos para o público infantil. Temos melhores opções para eles e eles merecem que selecionemos com cuidado a programação que eles têm acesso. Pensem nisso!!!

Quem sabe daqui uns anos, mesmo que sejam muitos, ter cabelo vermelho e sardinhas não seja motivo para piadas maldosas nem para o desejo de mudar de aparência? Quem sabe essa geração não nos ensina que o diferente é apenas... diferente? Eu, e minhas muitas sardas escuras, acreditamos nisso.

Como disse Débora Bloch na contracapa do livro "Quando a gente é criança, sempre pensa que é melhor ser diferente do que a gente é. Mas quando cresce, descobre que tanto faz."



O segundo livro de Morango Sardento foi lançado, e mostra a protagonista tendo problemas com o valentão da escola... adianto que ela consegue driblar a situação muito bem...


Morango Sardento e o valentão da escola
texto: Julianne Moore
ilustrações: LeUyen Pham
tradução: Denise Fraga
editora: Cosac Naify 



11 outubro 2012

Compartilhando brincadeiras e uma chapeuzinho vermelho

Uma Chapeuzinho Vermelho
texto e ilustrações: Marjolaine Leray
editora: Companhia das Letrinhas

O post de hoje tenta atender a um convite feito pelo Movimento Infância Livre de Consumismo, que neste dia das crianças está promovendo uma série de ações e reflexões sobre a questão comercial e o consumismo desta data. Nesse contexto foi lançada uma proposta de reflexão coletiva sobre a experiência do brincar criativo em família, através da blogagem de fotos, textos, desenhos, ou tudo junto, com o tema "Dia das Crianças: Compartilhe brincadeiras". O objetivo é mostrar como brincar e ser feliz não tem nada a ver com consumismo, e que o DIA DAS CRIANÇAS vai ser muito melhor aproveitado pelos homenageados se for comemorado com diversão em família do que com brinquedos caros.

Fiquei cá com meus botões pensando que brincadeira poderia colocar aqui, que, claro, não fugisse ao tema do blog, e imediatamente lembrei do teatrinho de Chapeuzinho Vermelho que fizemos aqui em casa há umas 3 semanas. Não é primeira vez que esta mesma parede recebe um cenário para um teatrinho de papel. A primeira vez foi com Pedro e o Lobo, e foi devidamente registrado aqui. Mas desta vez foi diferente, pois a ideia foi totalmente dela, enquanto da outra fui eu quem a convidou a montar a brincadeira. Além disso, a minha participação na criação dos desenhos e dos personagens foi quase nula, e foi a pequena quem bolou praticamente tudo. Inclusive o caçador que usa uma serra elétrica ao invés da espingarda (!!!).



Uma brincadeira extremamente simples, mas muito divertida. Uma diversão que começa com a escolha da história, o planejamento do teatrinho, a confecção do cenário e dos personagens, e a apresentação no final. Aliás, estou adorando essa fase da minha pequena, de maior autonomia para inventar, idealizar e executar brincadeiras assim, simples e criativas, usando apenas os elementos que já temos a mão. Eu topo quase tudo que ela propõe, e incentivo todas as suas manifestações de arte, mesmo que o desenho fique meio desproporcional, ou que eu saiba que se eu mesma fizesse o resultado seria melhor. Aliás, o resultado final é o que menos importa nesse processo...

E isto me lembra um livro e um blog que eu adoro. Conheci Uma Chapeuzinho Vermelho no blog Kids indoors, da super talentosa Gisele Barcellos, e o comprei em seguida. Ela é mãe e foi arte-educadora, e no seu blog dá várias dicas de atividades lúdicas e artísticas para as crianças, além de ótimas dicas de livros. O que eu mais gosto no seu blog é exatamente esta liberdade que ela dá às crianças para criarem e se manifestarem através das artes, e no post de Uma Chapeuzinho Vermelho a brincadeira que ela criou com os filhos foi reproduzir os personagens do livro, que são apenas o lobo e a Chapeuzinho, com arames coloridos.

Tudo a ver com a proposta de Majorlaine Leray, que conta a manjada - mas irresistível - história da menina encapuzada de um jeito muito especial: ela descreve apenas o encontro dos dois principais personagens, que são ilustrados somente com as cores preta, para o lobo, e vermelha, para a Chapeuzinho, com traços simples, como rabiscos infantis. Os diálogos também são simples, com letra cursiva e seguindo as cores dos personagens - preta para o lobo e vermelha para a Chapeuzinho - e o desenrolar da história é totalmente surpreendente. Ah, porque essa Chapeuzinho, de bobinha não tem nada, e ao invés de tremer de medo diante do temível lobo que a queria devorar, saca uma ideia simples e consegue enganar o bichão... tolinho! A proposta do livro é mesmo ser pouco convencional, substituindo ilustrações fofinhas por rabiscos aparentemente aleatórios, mas que expressam muito bem os personagens, e dando a história, por todos decorada, novas possibilidades. E aí, quantas vezes tolhemos a imaginação e manifestações das crianças por serem "pouco convencionais"?

Desconstruir histórias tradicionais, encontrar novas formas de expressão que fogem do padrão estético considerado "ideal", é uma das forma que as crianças encontram de ir além do que já conhecem, e como elas aprendem com isso. Pense nisso antes de sacar o cartão de crédito neste dia das crianças para comprar para suas crianças brinquedos caros e que apenas lhe dão fórmulas prontas de diversão. A infância é capaz de muito mais...