Morango Sardento
texto: Julianne Moore
ilustrações: LeUyen Pham
tradução: Fernanda Torres
editora: Cosac Naify
Conheci o livro de hoje há bastante tempo em uma livraria, mas só esta semana tive a oportunidade de comprá-lo e analisá-lo com calma. Foi o presente escolhido para uma pequena aniversariante desta semana. É o primeiro livro da atriz Julianne Moore, e retrata sua própria infância, a infância de uma menininha de cabelos vermelhos e muitas sardas, que na escola era perseguida pelo apelido de Morango Sardento. Ser diferente despertava a curiosidade - e crueldade - dos seus colegas da escola, e ela negava aceitar-se como era, e queria livrar-se das sardas a qualquer custo. Mas nenhuma das suas tentativas - de esfregão à canetinha - eliminara as pintinhas em seu corpo. Evitar destoar da maioria e buscar aceitação é bem a fase que tenho percebido a filhota e seus amigos entrarem (5 a 6 anos). Também tenho percebido o início de uma certa vigilância para identificar e apontar aquele que é diferente... Para quem acredita que essa nova geração pode fazer melhor do que as que aí estão, é momento de muita atenção e orientação. Porque preconceito e discriminação é coisa que se aprende, e das mais diferentes formas: uma frase dita em casa, uma imagem vista na rua, numa conversa com colegas da escola, e claro, na televisão.
E refletindo sobre tudo isso, não pude deixar de lembrar da atual sensação televisiva para crianças: Carrossel. Aqui em casa não assistimos novela há muitos anos, e eu que quase nunca assisto TV (meu vício é mesmo a internet) sequer sabia que a novela que eu assisti na adolescência estava de volta numa versão brasileira. Mas a filha descobriu tudo sobre o programa na escola. Uma criança começou a assistir e em uma semana todas as crianças da salinha de cinco anos queriam assistir também. Não foi diferente com a minha criança, e lá fui eu descobrir o conteúdo do programa para saber como agir. A fórmula é basicamente a mesma da primeira versão: uma turma escolar que tem uma professora boazinha e uma diretora má, recheada pelos dilemas escolares e familiares dos alunos. Bom, é preciso dizer que a versão SBTeana veio acrescida de cavalares doses de merchandising (nunca reparou? veja aqui, aqui e aqui), mas nem vou falar disso já que outros já fizeram com muito mais competência.
O que eu gostaria de comentar é o fato dessa inocente novelinha infantil desfilar um elenco de crianças estereotipadas, que rapidamente viram referência para nossas crianças. Sim, tem a gorda que é abobalhada e rasga roupas ou fica presa nelas, o negro que é pobre e vive sendo humilhado, a rica que é fútil, egoísta e preconceituosa, o gordo que só pensa em comer e tira as piores notas, os meninos "expertos" que são levados e maldosos, dentre outros... e não faltam cenas em que suas características são expostas e muitas vezes ridicularizadas (sem falar na faxineira nordestina que fala errado e é intrometida). Pois é, uma reprodução dos preconceitos e das segregações que nossa sociedade reproduz diariamente, mas embalada numa atraente trama para crianças, sem limite de idade. E como são atraentes!!! São crianças como eles, com realidade e dilemas como os deles, além de um bom repertório musical, um cenário colorido e situações engraçadas. Não sou especialista, mas sou mãe e observadora, e sei que não precisa de muito para perceber o quanto as crianças se identificam automaticamente com outras crianças em situações que lembrem as suas: escola, colegas, relacionamento com professores, pais, irmãos, amigos, brincadeiras, estudos, enfim. Eles se identificam e querem imitar, reproduzir a "fantasia do real" em suas vidas.
Sim, eu sei que a menina preconceituosa vai se arrepender de tudo que fez, assim como os meninos maldosos, e que o que tira notas baixas vai passar a se destacar na turma, e todos viverão felizes para sempre... mas a criança pequena não fica esperando o final da novela, ela é esponjinha que absorve a informação agora, já. E eu posso dar um exemplo disso: minha filha e todos os seus coleguinhas da escola acham Maria Joaquina boba e egoísta, mas há algumas semanas ela veio da escola contando que um colega lhe disse que não queria mais ser seu amigo pq assim como Cirilo ela também é negra. Crianças pequenas não entendem os artifícios usados para se desenrolar um enredo, principalmente um enredo que se estende por tantos capítulos e dias, e uma trama que sofre várias idas e vindas e pequenas reviravoltas. Elas não percebem as nuances de críticas e ironias contra atitudes condenáveis, principalmente quando envoltas em situações engraçadas ou dramáticas. Aliás, essa é uma habilidade que muitos adultos não conseguem desenvolver também... E o que assistimos é a reprodução de velhos e mofados estereótipos e condutas, para uma galerinha que merecia muito mais!!!
Mas infelizmente, o que tenho notado é que poucos pais questionam e analisam o conteúdo que chega aos seus filhos através desta novela - novela para criança, veja só... - e acabam achando legal e "fofinho" que os filhos queiram repetir frases, comportamentos e produtos usados pelos personagens (o que, claro, os marqueteiros já perceberam e lançaram toda sorte de produto com a marca). Sei que muitos dos que me leem deixam os filhos acompanharem a novela, e não quero aqui ditar como devem agir, mas quero deixar minha opinião pessoal sobre o assunto e convidá-los a refletir sobre isso. O conteúdo é ruim, não é adequados para crianças pequenas porque reproduz estereótipos e massifica comportamentos, além de ser extremamento abusivo na publicidade de produtos para o público infantil. Temos melhores opções para eles e eles merecem que selecionemos com cuidado a programação que eles têm acesso. Pensem nisso!!!
Quem sabe daqui uns anos, mesmo que sejam muitos, ter cabelo vermelho e sardinhas não seja motivo para piadas maldosas nem para o desejo de mudar de aparência? Quem sabe essa geração não nos ensina que o diferente é apenas... diferente? Eu, e minhas muitas sardas escuras, acreditamos nisso.
Como disse Débora Bloch na contracapa do livro "Quando a gente é criança, sempre pensa que é melhor ser diferente do que a gente é. Mas quando cresce, descobre que tanto faz."
E refletindo sobre tudo isso, não pude deixar de lembrar da atual sensação televisiva para crianças: Carrossel. Aqui em casa não assistimos novela há muitos anos, e eu que quase nunca assisto TV (meu vício é mesmo a internet) sequer sabia que a novela que eu assisti na adolescência estava de volta numa versão brasileira. Mas a filha descobriu tudo sobre o programa na escola. Uma criança começou a assistir e em uma semana todas as crianças da salinha de cinco anos queriam assistir também. Não foi diferente com a minha criança, e lá fui eu descobrir o conteúdo do programa para saber como agir. A fórmula é basicamente a mesma da primeira versão: uma turma escolar que tem uma professora boazinha e uma diretora má, recheada pelos dilemas escolares e familiares dos alunos. Bom, é preciso dizer que a versão SBTeana veio acrescida de cavalares doses de merchandising (nunca reparou? veja aqui, aqui e aqui), mas nem vou falar disso já que outros já fizeram com muito mais competência.
O que eu gostaria de comentar é o fato dessa inocente novelinha infantil desfilar um elenco de crianças estereotipadas, que rapidamente viram referência para nossas crianças. Sim, tem a gorda que é abobalhada e rasga roupas ou fica presa nelas, o negro que é pobre e vive sendo humilhado, a rica que é fútil, egoísta e preconceituosa, o gordo que só pensa em comer e tira as piores notas, os meninos "expertos" que são levados e maldosos, dentre outros... e não faltam cenas em que suas características são expostas e muitas vezes ridicularizadas (sem falar na faxineira nordestina que fala errado e é intrometida). Pois é, uma reprodução dos preconceitos e das segregações que nossa sociedade reproduz diariamente, mas embalada numa atraente trama para crianças, sem limite de idade. E como são atraentes!!! São crianças como eles, com realidade e dilemas como os deles, além de um bom repertório musical, um cenário colorido e situações engraçadas. Não sou especialista, mas sou mãe e observadora, e sei que não precisa de muito para perceber o quanto as crianças se identificam automaticamente com outras crianças em situações que lembrem as suas: escola, colegas, relacionamento com professores, pais, irmãos, amigos, brincadeiras, estudos, enfim. Eles se identificam e querem imitar, reproduzir a "fantasia do real" em suas vidas.
Sim, eu sei que a menina preconceituosa vai se arrepender de tudo que fez, assim como os meninos maldosos, e que o que tira notas baixas vai passar a se destacar na turma, e todos viverão felizes para sempre... mas a criança pequena não fica esperando o final da novela, ela é esponjinha que absorve a informação agora, já. E eu posso dar um exemplo disso: minha filha e todos os seus coleguinhas da escola acham Maria Joaquina boba e egoísta, mas há algumas semanas ela veio da escola contando que um colega lhe disse que não queria mais ser seu amigo pq assim como Cirilo ela também é negra. Crianças pequenas não entendem os artifícios usados para se desenrolar um enredo, principalmente um enredo que se estende por tantos capítulos e dias, e uma trama que sofre várias idas e vindas e pequenas reviravoltas. Elas não percebem as nuances de críticas e ironias contra atitudes condenáveis, principalmente quando envoltas em situações engraçadas ou dramáticas. Aliás, essa é uma habilidade que muitos adultos não conseguem desenvolver também... E o que assistimos é a reprodução de velhos e mofados estereótipos e condutas, para uma galerinha que merecia muito mais!!!
Mas infelizmente, o que tenho notado é que poucos pais questionam e analisam o conteúdo que chega aos seus filhos através desta novela - novela para criança, veja só... - e acabam achando legal e "fofinho" que os filhos queiram repetir frases, comportamentos e produtos usados pelos personagens (o que, claro, os marqueteiros já perceberam e lançaram toda sorte de produto com a marca). Sei que muitos dos que me leem deixam os filhos acompanharem a novela, e não quero aqui ditar como devem agir, mas quero deixar minha opinião pessoal sobre o assunto e convidá-los a refletir sobre isso. O conteúdo é ruim, não é adequados para crianças pequenas porque reproduz estereótipos e massifica comportamentos, além de ser extremamento abusivo na publicidade de produtos para o público infantil. Temos melhores opções para eles e eles merecem que selecionemos com cuidado a programação que eles têm acesso. Pensem nisso!!!
Quem sabe daqui uns anos, mesmo que sejam muitos, ter cabelo vermelho e sardinhas não seja motivo para piadas maldosas nem para o desejo de mudar de aparência? Quem sabe essa geração não nos ensina que o diferente é apenas... diferente? Eu, e minhas muitas sardas escuras, acreditamos nisso.
Como disse Débora Bloch na contracapa do livro "Quando a gente é criança, sempre pensa que é melhor ser diferente do que a gente é. Mas quando cresce, descobre que tanto faz."
O segundo livro de Morango Sardento foi lançado, e mostra a protagonista tendo problemas com o valentão da escola... adianto que ela consegue driblar a situação muito bem...
Morango Sardento e o valentão da escola
texto: Julianne Moore
ilustrações: LeUyen Pham
tradução: Denise Fraga
editora: Cosac Naify
Mi, amei seu texto, sua análise da novela. Eu não vi a primeira nem a versão atual, mas tenho todas as crítica do mundo a merchandising para crianças. O que eu não sabia era sobre estes esteriótipos, o que só faz piorar tudo. Enfim, não esperava nada de bom vindo do SBT, mas peraí, esta novela está lucrando muito em cima das crianças e a maioria dos pais ainda aplaude?
ResponderExcluirBeijos
Perfeito o post. Eu também não assisti a versão mexicana... Engraçado que sempre - desde criança - eu tinha muita resistência ao SBT. Por amor à causa assisti um capítulo e fiquei com a mesma impressão de crianças estereotipadas... Tenho certeza que ou estes pais compartilham estes valores, ou não estão atentos ao conteúdo da dita "novela para criança"
ResponderExcluirAbraços
Perfeita reflexão!
ResponderExcluirEu fui uma destas crianças sardentas que levam mil apelidos e não conhecia este livro, obrigada pela dica.
Quanto à novela, não conheço, já que não moramos no Brasil, mas vou compartilhar seu texto pois bem sei que ela tem feito sucesso com alguns sobrinhos que moram aí. Obrigada e abraço,
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirÉ sempre um privilégio ler o texto de mães que pensam e agem. Bjs.
ResponderExcluirOlá, eu tenho que dizer que assisti sim a versão mexicana, e amava, apesar de relativamente pequena notava como o pai da Maria Joaquina queria que ela estudasse naquela escola (que era publica naquela versão) para aprender valores melhores, lá todos eram pobres e a burrinha e gorda era a que tinha o maior coração ( e a professora na época mostrava isso todo o tempo, que todos nós temos lago de bom) comecei a assistir a nova versão e não suportei! Achei muito forçado, muito artificial, e não encontrei nenhum dos valores que vi na versão mexicana... larguei no segundo capitulo...Mas tenho ouvido muito outros pais comentando que os filhos não querem assistir outra coisa... Posso até ser taxada de chata, mas se eu não aprovar meu filho não assiste mesmo que o programa seja "LIVRE". Beijo
ResponderExcluirNo início do resto a autora comenta sobre uma atividade que geralmente é uma das melhores do mundo qual é essa atividades?
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