30 julho 2012

É preciso ser valente...

Valente
Disney-Pixar

Hoje não trago um livro, mas trago um filme e um conto. Trago também minhas reflexões sobre ser mulher e ser mãe, sobre ser criança e ser filha nos tempos de hoje, onde as meninas vivem embaladas pelo encanto das princesas Disney. Assisti Valente, filme que estava louca para assistir desde que vi seu trailer pela primeira vez. Putz, uma princesa com esvoaçantes e cacheados cabelos vermelhos, que luta pelo direito de não aceitar que outros escolham o seu destino. Fiquei empolgadíssima. 


Mas o filme me surpreendeu, e foi além da previsível rebeldia contra as tradições sociais, trazendo além dos conflitos da princesa e filha Merida, os conflitos da rainha e mãe Elinor. E nos retratos destas duas mulheres, mãe e filha, é impossível não se identificar, com uma, outra, ou ambas (como aconteceu comigo). A dificuldade de diálogo, as divergências de interesses que nos distanciam, o autismo social que não nos deixa perceber o que o outro deseja e precisa, a ideia de que os problemas se resolvem se o outro mudar... Eu, que não sou muito fã das princesas Disney, mas confiro tudo por ser aficionada por filmes de animação, tenho que tirar o chapéu para essa produção da Disney-Pixar, por seu roteiro inteligente, cheio de sutilezas e nuances, carregado de verdades muitas vezes ocultas.


Não vou aprofundar na questão das princesas Disney porque outros já fizeram isso com bem mais propriedade. Mas queria refletir um pouco sobre como nossas meninas estão imersas num mundo onde as referências são princesas indefesas e obedientes. Das camisetas às mochilas, das festas de aniversários às fantasias para brincadeiras de faz de conta, as referências são as princesas Disney, e as mais clássicas e mais submissas são também as mais badaladas, principalmente Branca de Neve, Cinderela e Aurora. Depois destas, as princesas têm se mostrado ora questionadoras, ora desafiadoras, ora reflexivas, buscando impor mais seu ponto de vista e batalhar pelo que acreditam. Entretanto, todas inseridas em uma realidade machista onde a solução vem da ação de um homem, seja defendendo-as, seja consentindo com elas. Mas Merida vai além, inclusive na absoluta “falta de realeza”. Seu conflito é com outra mulher, tão diferente e tão parecida com ela. E a solução não vem da defesa ou do consentimento de um homem, mas da união dessas duas forças femininas.


Pesquisei um pouco na net sobre o assunto, e além de alguns textos e comentários bastante interessantes (aqui, aqui e aqui), cheguei a esse sensacional conto de Ruth Rocha. De uma princesa que não quer esperar seu destino bater a porta, mas quer correr o mundo atrás dele. Porque só os meninos podem fazer isso?

Não vou copiar ele aqui porque fica muito grande, mas não deixe de ler: 

Minha menina depois do filme me disse que achou Merida muito desobediente, que nem parecia uma princesa de verdade... Perguntei se ela preferia ser Merida ou Cinderela, e ela nem pestanejou ao responder o nome da princesa que nunca batalhou por seus sonhos, embora os tivesse, e foi resgatada por um príncipe que se apaixonou por ela baseado na única coisa que tivera contato: sua beleza física. Levei um susto a princípio. Afinal, o que estamos fazendo com nossas meninas? Mas minha pequena só tem 5 anos, e por mais que eu não estimule, sofre muita influência das histórias das doces e angelicais princesas Disney. Sou uma defensora das histórias clássicas e sei o quanto é importante que nossas crianças tenham acesso ao mundo de fantasia que elas nos reportam, mas não nego que torço que daqui uns anos nenhuma menina de sua idade duvide que ser perfeita e esperar quieta um príncipe salvador é algo chato demais para ser desejado.

Bom, segundos depois ela pegou papel e lápis e se desenhou com seus cachos muito soltos, como a desobediente Merida. Sorri por dentro, mas meu lado Elinor tremeu. Ahhh, quando ela descobrir o poder que tem... 

21 julho 2012

Minha Cachinhos... Autora!!!

Hoje vou pedir licença a vocês, meus queridos leitores, para excepcionalmente fazer uma explícita sessão "babação materna". Eu sei que foge um pouco da proposta do blog, mas foi irresistível. Além do mais, o blog também tem como proposta falar sobre nossas experiências e vivências, e no fim das contas, o motivo da babação tem tudo a ver com literatura infantil. 

Os Monstros
textos e ilustrações: Letícia Xavier
editora: Cachinhos Leitores

Imaginam minha alegria quando minha pequena cacheada chegou quarta-feira da escola dizendo que um coleguinha havia feito com sua mãe um livro, e ela queria fazer um também? Peguei papel, ela pegou suas canetinhas, e em poucos minutos as ilustrações estavam prontas. Ela então me contou a história, mas já  estava na hora de dormir, e tivemos que esperar para a noite seguinte. Ela queria ir ditando e eu escrevendo, como seu coleguinha havia feito, mas eu sugeri que ela mesma escrevesse - depois de uma certa resistência ela concordou. A história e os textos foram todos criados por ela sozinha, mas eu a ajudei com algumas palavras, por sua solicitação. Fiz como me orientaram em sua escola: deixei ela escrever livremente, mas quando ela me perguntava se algo estava certo eu apontava erros, se houvessem. 


"Era uma vez 3 monstros" 

"Eles encontraram 2 meninas para jogar bola" 

"Mas não deu, porque choveu" 

"Mas o sol apareceu"


Reparem nas carinhas de tristeza das crianças e dos monstros quando chove, e de alegria quando para de chover. Quando me contou a história pela primeira vez, ela fazia referência a estes sentimentos (ficaram triste.../ficaram felizes...), mas na hora de escrever bateu uma certa preguicinha, e saiu assim, com o texto mais enxuto mesmo - tudo bem, as ilustrações deixam os sentimentos dos personagens bem claros :)

Depois das ilustrações e textos prontos, ela numerou as páginas e fez a capa. Eu corri para fotografar, e depois grampeei e passei durex imitando uma lombada, coloquei em um classificador plástico e o demos como pronto. Ela leu para mim antes de dormir e levou na sexta-feira para a escola, feliz da vida. Eu, claro, fiquei de cá estourando de orgulho. Nesse momento só consigo pensar que não existe nada na vida mais difícil e mais prazeroso do que criar um filho...

Ah, pois é, o nome da Cachinhos é Letícia! Mas acho que vou continuar chamando ela de Cachinhos por aqui. Porque, né? Já encorporou... 

17 julho 2012

Medo de fantasmaaaa...

A casa assombrada
texto e ilustrações: Kazuno Kohara
tradutor: Heloísa Prieto
editora: Cosac Naify

Dentre os medos que povoam a mente da minha pequena, está o de fantasmas. E este é especial, porque ela jura que já esteve cara a cara com um. Tudo começou quando ela tinha 2 anos e estávamos dormindo na casa de meu pai. Como ela acordava no meio da noite com uma certa frequência, e eu não estava muito habituada ao quarto, achei melhor deixar a luz do banheiro acessa, o que iluminava um pouco o ambiente. E ela acordou de noite chorando muito, nos abraçava, apertava e chorava. No dia seguinte afirmava com todas as letras: tinha um fantasma no quarto, ela o tinha visto. Depois de muita conversa e especulações, descobrimos o que parece o mais provável: ela assustou-se com a sombra de um cabide que estava com algumas bolsas penduradas. Realmente, a sua sombra formada pela luz do banheiro, parecia fantasmagórica. E mesmo depois de tanto tempo, ela continua afirmando que os fantasmas existem, e que é na escuridão que aparecem.

A Casa Assombrada traz uma forma muito divertida de brincar e desmistificar o esteriótipo que foi criado para a ideia de fantasmas. O livro fala de uma menina que mudou-se para uma casa antiga e enorme, uma casa assombrada. Ah, mas a menina não era uma menina qualquer, ela era uma bruxa. Uma bruxa que ao encontrar com os fantasmas da casa, ao invés de ficar assustada e sair correndo, começou uma caçada a eles e ficou super feliz com isso. Ela e seu gatinho trabalharam duro e conseguiram capturar uma porção de fantasmas, mas depois... ficaram sem saber o que fazer com eles. As ilustrações do livro são todas nas cores laranja e preto, o que dá todo o tom halloween, além do branco dos fantasmas, que aqui são aqueles típicos, como lençóis brancos com olhos e boca. Não demorou e a bruxinha começou a inventar várias formas de usar seus fantasmas... não vou contar tudo, mas posso garantir que no final, ninguém vai ficar com medo daqueles fantasmas!

O nonsense torna a história divertida e faz a criança por uns instantes rir dos seus medos. Eu aproveitei o momento e propus à minha pequena que fizéssemos fantasmas de papel manteiga, imitando os do livro. Os olhos e a boca foram feitos com canetinha preta. Assim desenhamos e cortamos vários, de diferentes tamanhos, e fomos formando famílias e colando com durex nas paredes do seu quarto. Foi uma brincadeira bem divertida. Infelizmente fizemos isso há alguns meses e não consigo mais localizar as fotos que tiramos na ocasião... acho que vou propor isso novamente a ela, e então trago novas fotos aqui :)

11 julho 2012

Formiguinhas leitoras

Formigas
texto: Elaine Pasquali Cavion
ilustrações: André Neves
editora: Paulus

Conheci Formigas por indicação dos Roedores de Livro. A resenha era tão tentadora que só sosseguei quando o tive nas mãos. Na época, a filha de uma grande amiga estava iniciando suas leituras individuais e eu achei que aquele livro era perfeito para ela. Outros pequenos leitores ganharam o livro das minhas mãos depois desta primeira vez, e eu guardei um exemplar para minha pequena, mas queria que fosse neste contexto, no início das suas leituras individuais. Bom, o dia chegou, e eu fiquei muito feliz de partilhar com minha filha essa pérola que descobri aqui na net.

No livro, centenas de formigas estão em sua fila indiana seguindo pelo gramado a procura de comida para abastecer o formigueiro. Obedientes e concentradas, elas seguem sem levantar o olhar ou desviar o caminho traçado pela formiga-líder. Todas menos uma, uma pequena formiguinha que ousou levantar o olhar e se encantou com o azul do céu e o verde da grama. E foi descobrindo a paisagem que ela viu um objeto desconhecido, mas tentador, que a fez sair da fila para desvendá-lo. Era um livro! Um livro cheio de palavras. Palavras cheias de significados. Em instantes todas as formigas do formigueiro estão desvendando o livro, e levando para casa ao invés de alimentos para o corpo, alimentos para a alma, na forma de palavras. Palavras suculentas e folhosas como a palavra FOLHA, iluminada e quente como a palavra SOL, que traziam o cheiro salgado da maresia e até algumas gaivotas como a palavras MAR. Logo o formigueiro se transformou, e quando, no início do inverno, a cigarra buscou o formigueiro para oferecer seus serviços de cantora, encontrou o lar das formigas estocado de... poesia.

O livro é lindo, de verdade! E me lembra com perfeição a fome de palavras dos pequenos leitores. Seu formato é pequenino, mas casa bem com a proposta do livro. O texto de Elaine Pasquali e as ilustrações de André Neves são deliciosos, simples e cheios de significados. É mesmo uma pérola que adoro apresentar a todos que gostam de bons livros – aqueles feitos com encantar os leitores.

08 julho 2012

Um príncipe convencido...

O príncipe com orelhas de Burro
texto: Luísa Ducla Soares
ilustração: Carla Manso
editora: Soregra Editores

A Cachinhos faz ballet desde o ano passado. Confesso que esse não era um projeto meu, ou seja, eu nunca sonhei em ter uma filha bailarina, mas acabei gostando, sim, da ideia. Tudo começou porque ela pediu, insistiu, vendo algumas coleguinhas da escola seguindo para suas aulas de ballet. Entretanto, embora goste bastante, não vejo muito empenho ou seriedade na aluna que ela é. Já assistimos algumas aulas públicas, e sei que tudo é uma grande brincadeira para ela, que fica meio dispersa em boa parte da aula. Bom, até aí tudo bem. A questão é que no mês passado ela participou do primeiro espetáculo deste ano. Faltou mais de um mês de aulas por conta da viagem, e eu pensei que ela não teria condições de participar. Mas conversei com a professora e esta me tranquilizou. Ela já havia participado dos dois espetáculos do ano passado e tinha condições sim de participar deste. Ok. O espetáculo aconteceu e ela estava linda, dançando um cancan com sua turminha.

Mas, no dia seguinte, ela me surpreendeu ao afirmar firmemente que não queria ir para a aula. Chorava e repetia sem parar que não iria. Em um ano e meio ela nunca tinha se negado a ir à aula! Sabia que tinha algo errado e fui tentando descobrir. Uma conversinha de "pé de ouvido" e a verdade veio a tona: uma coleguinha reclamou algumas vezes durante os ensaios que ela era muito lenta e não acompanhava a turma. Contou isso chorando e visivelmente envergonhada. Dá para imaginar o estado do meu coração de mãe? Hum!!! Conversamos bastante, e eu não a deixei desistir de ir à aula naquele dia. Disse que ela poderia até desistir depois, mas não deixaria de ir a aula porque uma coleguinha achava que ela dançava devagar... fiz um discurso de que cada um dança como sabe e quer, e que essa é a beleza de qualquer arte. Que ela estava no ballet para se divertir, não para dançar perfeito ou melhor que ninguém. Bom, ela foi para a aula afinal, e na aula seguinte, a última do semestre, estava ótima e nem cogitou a hipótese de não ir - depois soube que ela confessou o assunto para uma funcionária que ela adora e esta conversou com a professora, que conversou com as crianças na sala, sem citar nomes.

Fiquei pensando bastante sobre o assunto e resolvi resgatar O príncipe com orelhas de burro, um dos livros que trouxemos da viagem à Europa. Como já contei em outro post, na nossa ida a uma livraria especializada em literatura infantil na capital lisboeta, a Cabeçudos, busquei um livro de um autor português que fosse tradicional por lá, e claro, não tivesse sido lançado aqui. Fui muito bem atendida na loja, e me foram oferecidas algumas ótimas opções, mas O príncipe com orelhas de burro me conquistou de cara. Luísa Ducla Soares pode ser mesmo considerada uma autora tradicional. Com mais de 45 títulos infantis e vários prêmios, ela expressa bem a literatura infantil portuguesa.

O livro conta a história de Máximo, que é mesmo o máximo, principalmente depois que três fadas são chamadas para lhe "fadar" (adoro estes termos lusitanos). A primeira fada deu-lhe beleza como nenhum outro, a segunda, inteligência como nenhum outro, mas a terceira... avaliando que com tais virtudes ele se tornaria um grande convencido, deu-lhe orelhas de burro. Pois é, o príncipe que era o máximo, o mais belo e o mais sábio de todos, tinha agora longas e macias orelhas de burro. Embora já o conhecesse, a primeira pergunta que minha pequena fez foi "o que é ser "um convencido""? Expliquei que era achar-se melhor que os outros, e aproveitei para falar sobre como cada um de nós temos nossas características próprias e não devemos ser criticados ou julgado por isso.

O Máximo nem pode ser julgado, pois seus pais esconderam suas orelhas de todos os outros mortais, e esse era o segredo deles. Mas um dia a informação chega aos ouvidos de todos, e Máximo percebe que agora não precisa mais esconder suas orelhas de ninguém, e fica muito feliz. Mas o Rei e a Rainha ficam desesperados, e exigem que a fada retire o tal feitiço. Ahhhh, mas Máximo já tinha descoberto muitas vantagens de ser um príncipe com orelhas de burros, como ouvir "os passos das formigas, as falas dos peixes e a música das estrelas", coisa que ninguém mais conseguia fazer. Por isso ele pediu a fada que mantivesse seu "defeito" que lhe era tão especial, e ao mesmo tempo o  aproximava de todos os outros humanos que eram discriminados. Uma história linda e divertida, para nos lembrar que nossos "defeitos" têm sempre um lado vantajoso. E que príncipes e princesas perfeitos... são no mínimo muito chatos...