10 dezembro 2012

Afinal, de quê e de quanto precisamos?

Uma girafa e tanto
texto e ilustrações: Shel Silverstein
editora: Cosac Naify

O fim do ano vem chegando (e o fim do mundo também...) e entre confraternizações, decorações de natal, engarrafamentos e compras de presentes, surge um clima de balanço e de planejamento no ar. O que foi bom no ano que finda? O que não foi bom servirá de lição ou simplesmente vamos preferir esquecer? O que esperamos de 2013? Quais nossas metas, objetivos? Como planejamos alcançá-los? Nunca consigo cumprir a contento minha listinha de ano novo, mas sempre a faço na minha cabeça. Gosto do cheirinho de ano novo, de agenda em branco, de página esperando ser escrita.

Este ano, fazendo meu balanço e minha listinha mental, me dei conta do quanto a vida anda acelerada. Entramos de vez na era digital, quando todos precisam estar o tempo todo conectados. Estamos criando uma tal galerinha Z de dedinhos rápidos e ávidos por novidades. Nunca antes as pessoas se relacionaram com tantas outras pessoas, e nunca com tanta superficialidade. Nas redes sociais e na TV, todos querem seus 15 minutinhos de fama, todos têm algo a dizer, todos têm pressa para dizer... e para esquecer. É a era do descartável, da fama meteórica, das relações meteóricas, do consumo meteórico.

Lembro dos natais da minha infância, quando as famílias (pelo menos as que eu tinha contato) enfeitavam suas casas com uma árvore de natal, um presépio (as religiosas), uma toalha de mesa natalina e no máximo uma guirlanda na porta. E toda decoração durava vários natais, repetindo-se ano após ano. A lista de presentes geralmente tinha o tamanho do número de membros da casa multiplicado por 2 - por conta dos presentes de amigo secreto. Hoje, olho ao redor e vejo que as coisas mudaram bastantes, na nossa sociedade e no natal, e basta uma volta no shopping para confirmar isso. Em muitas casas, a decoração de natal precisa estar presente em todos os cômodos, e valha-me Deus se alguém passar na rua e não vir sua varanda com luzinhas piscando. As decorações não se repetem de uma ano para o outro, pelo menos não na íntegra... As listas de presentes são gigantescas, todos precisam ser presenteados para que se sintam amados - repete explicita ou implicitamente a publicidade do shopping center, da loja de cosmético e até da marca de bebidas. E aí vale quase tudo, não importando muito se será útil, adequado ou bem recebido. A variedade de opções é impressionante, para todos os bolsos e calendários. E na maioria das vezes o ano novo começa com a decisão do que fazer com os presentes ganhos no natal - tarefa nem sempre fácil.

E nesta alucinante "vida moderna" uma pergunta insisti em aparecer: Afinal, de quê e de quanto precisamos? Tenho me feito essa pergunta muitas vezes nos últimos anos. O tamanho do meu "apertamento" me obrigou a este questionamento quando percebi que precisava fazer limpezas periódicas das coisas que possuímos em casa - ou teríamos que sair de casa para acomodar tudo. Pelo menos duas vezes ao ano temos separado montes de roupas, sapatos, brinquedos, bolsas, itens de cozinha e etc para doação... porque já não nos servem mais, porque compramos um novo ou simplesmente porque enjoamos. Outra montanha de papéis vai para a reciclagem (alguém sabe como papel prolifera???), além das tranqueiras que terminam mesmo no lixo. A regra é que os armários, prateleiras e cômodos não podem ficar entulhados. Tudo precisa estar visível e a mão. Porque se está escondido e de difícil acesso... acaba não sendo usado, às vezes sequer lembrado. E aí, na contramão do que nos dizem diariamente as campanhas  publicitárias, começamos a investir nos Rs: repensar, reduzir, reciclar, reaproveitar, recusar... ultimamente tem sido o repensar e o recusar os mais usados aqui em casa - antes de comprar qualquer coisa: Repensar, e se for o caso: Recusar.

Um movimento lento, mas que tem causado uma revolução na vida da minha família. É interessante perceber, por exemplo, que temos ido ao shopping com muito menos frequência do que antes, inclusive quando o objetivo não é comprar, preferindo restaurantes e cinemas "de rua". Com cada vez menos frequência tenho comprado "por impulso" e o fato de não zapear mais pelas lojas para "conhecer as novidades" tem contribuído muito para isso. Fiz boa parte das minhas compras de natal pela internet, com uma listinha muito bem definida nas mãos - como os presentes são invariavelmente livros e os presenteados crianças, já acesso os sites sabendo exatamente o quê vou comprar. Parece muito pouco, mas as mudanças são visíveis na quantidade de tranqueiras que conseguimos reduzir em casa.

Um estilo de vida mais minimalista realmente tem me atraído, e passar isso para minha filha tem sido um desejo constante. Por isso foi maravilhoso descobrir, há alguns meses, Uma Girafa e Tanto, do genial Shel Silverstein. A história, pra lá de nonsense, conta como um menino começa a alterar sua girafa para transformá-la em uma girafa e tanto! Chapéu com rato, rosa no nariz, uma cadeira como pente, e mais um monte de maluquices, que no final... só conseguem descaracterizar a pobre girafa, que virou... sei lá o quê. Mas eis que, assim, carregando um monte de apetrechos, a girafa acaba por cair no buraco do tatu, e é então que torna-se possível perceber que, na verdade, ela não precisa de nada daquilo. E se o menino começasse a procurar para aqueles objetos usos melhores que os usos esdrúxulos dados até então? E se a cadeira for dada a um urso, a rosa a uma pessoa amada, e o rato simplesmente for embora com o chapéu? Aí, meus caros, esse menino terá o que sempre teve e desejou: uma girafa de verdade.

O livro é todo em preto e branco, da capa às folhas internas, ilustrado pelo traço inconfundível de Shel Silverstein, o que, convenhamos, não o torna dos mais atraentes. Mas não se engane, ele é surpreendente, e é uma ótima e divertida forma de conversar com as crianças sobre o que é essencial e o que é supérfluo, o que é consumo e o que é consumismo. Não quero ser a dona da verdade, longe de mim, mas devo confessar para vocês: verdadeiramente entender que é possível viver com menos e ser mais feliz tem trazido muito mais felicidade ao meu lar.

20 novembro 2012

Sobre quem vamos falar no dia da Consciência Negra?

Pretinha de Neve e os Sete Gigantes
texto e ilustrações: Rubem Filho
editora: Paulinas

Imagino que os que me conhecem há mais tempo estranhem que uma versão politicamente correta de um clássico infantil chegue aqui ao Cachinhos. Quando a onda do "politicamente correto" chegou até mim, rapidamente me posicionei contra ela. Porque... ora, porque era chata demais. Não poder cantar as cantigas de roda do jeito que eu, e várias gerações antes de mim, cantaram, é chato demais! Não poder usar uma expressão, e ainda substituí-la por outra que “assassina o português", mais que chato é constrangedor!

Pior é quando o "politicamente correto" chega à literatura infantil. Mexer nas histórias clássicas, transformar lobo mau em lobo bom, acabar conflitos e tornar princesas e madrastas amigas, dentre outras coisas, torna tudo descaracterizado e... chato. Além disso, a infância precisa ter acesso a conflitos, desafios e seres temíveis de uma posição segura para compreender melhor sua realidade e o mundo em que vive, e assim amadurecer. Um final feliz depois de todas as intempéries da história é libertador não apenas para as crianças.

Mas enquanto criticava e acusava de chata tanta patrulha, a danada da minha cabeça insistia em me fazer pensar (que chato!). Fui refletindo sobre a importância de se parar para reavaliar o "modus operandi" para que o mundo e nossas sociedades possam evoluir. Bom, eu só não queria ser A chata que faz isso, mas comecei a admirar bastante quem tem peito para ser tão chato assim - recentemente encontrei nesse texto uma ilustração do que minha cabeça fervilhava.

E foi então que cheguei ao maravilhoso e perturbador texto de Ana Maria Gonçalves sobre a polêmica em torno de Monteiro Lobato e do seu livro Caçadas de Pedrinho. Na época eu estava investigando para tentar entender melhor o caso: em resumo, estava sendo questionada a adequação à legislação antirracista deste livro, escolhido para ser distribuído nas escolas públicas de Ensino Fundamental, e caso não houvesse adequação, solicitado que o mesmo fosse recolhido*. Grande polêmica se deu a partir daí. Anônimos e famosos posicionavam-se contra o absurdo de querer censurar o maior escritor para crianças do Brasil, e chamar de racista um homem que viveu em uma época em que chamar um negro de urubu era algo absolutamente aceitável. Afinal, quantos “homens e mulheres de bem” haviam tido acesso a este livro na infância?

Mas o texto de Ana Maria Gonçalves foi além da falácia corriqueira, e me fez pela primeira vez ver realmente a questão do “politicamente correto” com outros olhos. O questionamento inquieto que ela lança é: afinal de contas, de quem estamos falando??? Trata-se de uma caça às bruxas em cima de Monteiro Lobato? Não, não é esta a questão. Lobato era indiscutivelmente racista e defensor da eugenia, e digo isso não baseada em suas obras, mas em trechos de cartas suas trocadas dentre outros com o médico Renato Kehl que no Brasil propagava a superioridade racial (um trechinho para ilustrar: “um dia se fará justiça ao Ku Klux Klan; tivéssemos uma defesa dessa ordem, que mantém o negro no seu lugar... porque a mestiçagem do negro destrói a capacidade construtiva” – trecho de carta a Arthur Neiva retirado daqui). Mas, lamento, não é de Lobato que devemos falar. Sua obra é de qualidade indiscutível, assim como seu talento literário e o legado que ele deixou para a literatura infantil brasileira. Mesmo sabendo que na mesma época em que ele viveu, viveram homens que lutaram pela igualdade racial, não é dele que esta polêmica trata. Questionar o uso de Caçadas de Pedrinho por alunos da nossa rede pública de ensino fundamental não é um simples ato de afronta ao racista Monteiro Lobato.

Tampouco esta polêmica trata de mim ou de você, caro leitor (a não ser que alguma criança negra estudante de escola pública esteja lendo este texto – o que me deixaria orgulhosíssima). Lamento, “homens e mulheres de bem”, independente da cor da sua pele, não é de você que devemos falar. Quem questionou a adequação do livro à legislação antirracial falava das milhares de crianças negras brasileiras, estudantes de escolas públicas, tendo que conviver na sala de aula com expressões racistas. Recomendo que leiam na íntegra o texto de Ana Maria, mas vou copiar um trecho deste aqui por minha absoluta incapacidade de reproduzir bem, de outra forma, suas palavras:

“Peço agora que você faça um exercício: imagine uma criança na sala de aula das escolas públicas de ensino médio e fundamental no Brasil. Negra. Sei que não deve ser fácil colocar-se sob a pele de uma criança negra, por isso penso em alternativas. Tente se colocar sob a pele de uma criança judia numa sala de aula na Alemanha dos anos 30 e ouça, por exemplo, comentários preconceituosos em relação aos judeus... Ou então, ponha-se no lugar de uma criança com necessidades especiais e ouça comentários alusivos ao seu "defeito"... Talvez agora você já consiga sentir na pele o que significa ser essa criança negra e perceber a carga histórica dessas palavras sendo arrastada desde séculos passados: "macaca de carvão", "carne preta" ou "urubu fedorento", tudo lá, em Caçadas de Pedrinho, onde "negra" também é vocativo. Sim, sei que "não se fala mais assim", que "os tempos eram outros". Mas sim, também sei que as palavras andam cheias de significados, impregnadas das maldades que já cometeram, como lâminas que conservam o corte por estarem sempre ali, arrancando casca sobre casca de uma ferida que nunca acaba de cicatrizar.

Fique um pouco de tempo lá, no lugar dessa criança, e tente entender como ela se sente. Herdeira dessa ferida da qual ela vai ter que aprender a tomar conta e passar adiante, como antes tinham feito seus pais, avós, bisavós e tataravós, de quem ela também herdou os lábios grossos, o cabelo crespo, o nariz achatado, a pele escura.”

Percebem o quanto é fácil e vago falar do racismo enquanto alguém que não sofre nem dissemina o racismo? Como dizer se “macaca de carvão” é ou não uma expressão adequada para crianças se você não é uma criança negra em uma sala de aula provavelmente cheia de crianças brancas? Enquanto não aprendermos a nos colocar no lugar do outro, enquanto não sairmos da posição de centro das atenções, muito pouco irá mudar. E enquanto isso, e considerando que trata-se de crianças, não seria mais prudente pecar pelo zelo?

Poderia falar muito mais sobre isso, mas prefiro contar um fato pessoal para ilustrar a questão: há alguns meses li uma notícia na internet que dizia que o SBT tinha sido obrigado pelo Ministério Público a trocar a expressão “seu negro” por “seu sujo” usada pela personagem Maria Joaquina em relação à personagem Cirilo, na novela Carrossel. Lembro de ter visto uma cena em que a expressão foi usada e termos comentado, eu e meu marido, como “seu sujo” parecia muito mais depreciativo a um negro, e que seria preferível ser usado simplesmente negro. Uns dois meses depois minha filha chegou da escola perguntando, visivelmente surpresa, se nós sabíamos o porquê de Maria Joaquina maltratar Cirilo. Meio assustados dissemos que não e ela respondeu “porque ele é negro, mamãe! Porque ele é NEGRO, você acredita?!?!”. Para nossa surpresa, nem ela nem os seus coleguinhas de sala, mesmo depois de assistir episódios da trama, tinham percebido que o tratamento que o menino negro recebia da menina branca referia-se a cor da sua pele. Foi preciso um adulto chamar a atenção de uma das crianças, e esta a atenção das demais, para que eles percebessem "o óbvio". Se a expressão “seu negro” estivesse sendo usada não teriam eles internalizado a questão sozinhos e muito mais rápido?

Diferente do que possa parecer, o preconceito não é inerente aos humanos. Preconceito se aprende, se ensina – em frases despretensiosas, em olhares maldosos, em gestos não contidos... e não sejamos ingênuos, está em mim, em você, inclusive na criança que já teve contato com ele. Precisamos de uma revolução muito maior e dolorosa para construir um mundo mais igualitário do que simplesmente parar de trabalhar no dia 20 de novembro...

Em relação a Pretinha de Neve e os Sete Gigantes, trata-se de uma divertida reconstrução do clássico infantil. A cor da pele da protagonista e a estatura dos seus sete amigos não é a única alteração em relação ao texto original. Esta versão acontece na África, no alto do Kilimanjaro, onde também neva. Não há madrasta, mas padrasto, que apesar de ausente e cruel, não tem poderes maléficos, nem quer matar a enteada. O espelho mágico foi substituído por um caldeirão que também fala, e Pretinha vai para a floresta sozinha e por sua vontade – e sem o consentimento de adultos. O grande vilão da história é mesmo a pouca atenção que os pais dão à menina, sempre envolvidos que estão com suas próprias atividades – quer conflito mais atual que este?


* Recentemente um requerimento similar foi encaminhado a CGU em relação ao livro Negrinha, também de Monteiro Lobato, comprado para distribuição nas escolas públicas de Ensino Médio (também pelo PNBE – Programa Nacional de Bibliotecas nas Escolas) - notícia aqui. Para conhecer o parecer do MEC sobre Caçadas de Pedrinho veja aqui. Mais informações aqui e aqui.

17 novembro 2012

E quem tem medo do Rato Mau???

O filho do Grúfalo
texto: Júlia 
ilustrações: Axel Scheffr
editora: Brinque-Book

Postagem rapidinha só para falar que O Filho do Grúfalo é mesmo uma excelente continuação de O Grúfalo. Sim, achei importante dizer, já que continuações de livros infantis (e livros de outras categorias, e filmes, e peças teatrais, e discos...) nem sempre conseguem acompanhar o talento e bom gosto do primeiro. Mais que isso, queria dizer que trata-se realmente de uma continuação, e não apenas de uma outra história sobre o mesmo tema. Desta vez, o filho do Grúfalo decide aventurar-se na floresta mesmo contra a proibição de seu pai, que teme o terrível Rato Mau, que ele conheceu anos atrás. Da mesma forma que o ratinho no primeiro livro criou o temível Grúfalo, é o Grúfalo quem agora cria o temível Rato Mau, baseado nas suas lembranças - lembranças cheias de medo e temor. E o pequeno Grúfalo, cheio de coragem, parte em busca do tal Rato Mau. Tudo bem, o ratinho é esperto, e mesmo não sendo terrível nem temível, mais uma vez consegue enganar um Grúfalo.

Chegou pela ciranda de livros da escola da filha há algumas semanas, e hoje o Disney Júnior passou os dois filmes que recontam os dois livros. Delícia!

06 novembro 2012

Perdidos em Paris


Paris y es-tu?
textos e ilustrações: Masumi
editora: Parigramme

Ando tão enrolada ultimamente que fico assustada quando percebo que deixei de fazer coisas importantes. Como diz uma amiga, estou no modo “gincana” – o problema é que estou nele há tempo demais... preciso mesmo desacelerar e deixar de lado algumas coisas (Foco! Foco!). Por isso não sei como ficará o Cachinhos até o final do ano, talvez com posts mais esporádicos. Mas a boa notícia é que tenho novidades para 2013! Não será nada grandioso, mas finalmente vou fazer a personalização que este blog há tanto tempo merece. A primeira parte já está pronta, e garanto que está linda demais. Mas os outros detalhes só ficarão prontos em janeiro mesmo. Enquanto isso, vamos nos encontrando nesse espaço ainda impessoal, mas que já nos acolheu tantas vezes, não é? Estou bastante empolgada com as ideias que tenho tido para o Cachinhos, e acho que vocês irão gostar bastante.

Bom, mas uma das coisas importantes que deixei de fazer foi trazer aqui os outros livros que adquiri na viagem à Europa. Trouxe dois dos livros de Portugal e o da Eslovênia, prometi trazer os outros... e nada. Esqueci completamente. Mas na semana passada fiz um e-mail para uma amiga, que planeja uma ida à Paris com as filhas, com umas dicas do que funcionou lá com a minha filha, e só então lembrei deste livro tão divertido que a pequena adora folhear na hora de dormir (principalmente quando não quer dormir).



Nós compramos Paris y es-tu? na lojinha de souvenir da lindíssima Saint Chapelle, e foi sua lembrança de Paris – em cada cidade que íamos ela tinha direito de escolher uma lembrança para levar. Estava à venda também sua versão em inglês, mas é claro que preferimos em francês. A proposta do livro é super interessante: um tour por Paris a procura do pequeno parisiense Théo, que está à procura de seu cachorrinho Potchi, que por sua vez persegue um balão amarelo de gás. Todas as páginas são ilustradas com cenas de Paris, como a Tour Eiffel et Champs de Mars, Montmartre e Parvis de Notre Dame, e no meio das ilustrações estão Théo, com seu lencinho vermelho amarrado no pescoço, Potchi e seu balãozinho amarelo, e você deve encontrá-los, no melhor estilo Onde está Wally? Além disso, para cada paisagem há um pequeno texto falando sobre o ponto turístico e revelando detalhes da capital francesa. Um deleite para apaixonados por Paris de qualquer idade, e para apaixonados por ilustrações também – é fascinante ficar observando as microcenas que compõem o todo de cada página.



Minha pequena adora este livro, e sempre me pede para lê-lo (!?!?!). E eu atendo, embora nós duas saibamos que tudo que faço é desenrolar um “embromation” com as poucas palavras que conheço em francês. Tudo bem, procurar Théo, Potchi e o balão é mesmo seu maior interesse. Além do mais, é muito bom para mim exercitar um pouco a capacidade do “faz de conta” que misteriosamente perdemos ao longo da vida...



PS1: é possível comprar Paris y es-tu? pela Fnac: aqui
PS2: estou tentando incluir fotos do interior dos livros nos posts, mas peço paciência com essa pessoa que ainda não descobriu uma forma razoável de fazer isto...

29 outubro 2012

Iguais, mas diferentes!

Sai pra lá!
texto e ilustrações: Ana Terra
Editora: Larousse Júnior

Ainda refletindo sobre a discriminação e a reprodução de estereótipos, lembrei desse livro super fofo e divertido que acho que alcança bem as crianças a partir dos 3 anos. Sai pra lá! conta a história de quatro ovelhas: Branca, Albina, Neve e Clara. Quatro ovelhas fofinhas e branquinhas, que adoravam exibir sua bela lã. Mas um dia... ah, um dia Clara sumiu! Mas não sumiu por muito tempo, não. Logo ela reapareceu... sem sua lã. Pois é, Clara estava rosada e magrela, provocando muitas risadas das amigas.




E não demorou muito para Albina também sumir, seguida de Neve e Branca. Ops! Atrás da moita surgiram três ovelhas magrelas e rosadas, e desta vez, Clara sorriu baixinho: "agora todas estavam iguais a ela". IGUAIS? Apenas agora, sem lã, foi possível descobrir que Neve tem uma manchinha na pele, Albina tem perna fina, Branca usa calcinha de elanca e Clara... ah, Clara é a única ovelha que sabe cantar! A gaúcha Ana Terra é uma ilustradora encantadora (veja aqui), e tem se mostrado também uma excelente autora. As ilustrações do livro utilizam várias texturas e elementos, como fotografias, rendas, filós, tecidos e papéis reciclados, além de serem absolutamente cute! :)


Uma história simples que destaca como, por mais parecido que pareçamos, todos temos nossas particularidades, nossas características que nos fazem únicos. Um assunto que merece ser levado às crianças, já que na maioria das vezes elas (em especial as tímidas) preferem mesmo realçar o que as iguala e disfarçar o que as diferencia. E isso me lembra uma historinha recente nossa: na semana passada minha filha foi convidada para uma festa de halloween no nosso prédio. Perguntei a ela que fantasia ela gostaria de usar, torcendo que escolhesse de bruxa, pois já tinha alguns elementos em casa. Ela escolheu fantasiar-se de fantasma, provavelmente incentivada por este livro que ela adora. Perguntei se ela não preferia a fantasia de bruxa, numa última tentativa de facilitar a minha vida, mas ela foi taxativa, queria ir de fantasma. Ok! Pesquisa na internet, visita armarinhos, e passei a manhã de sábado produzindo com tnt branco a tal fantasia de fantasma - tarefa que eu adorei, na verdade... rsrs À noite, fiz uma maquiagem com muita sombra branca em seu rosto, e entre risadas e gritinhos, a mandei feliz para a festa com o pai.

Menos de 10 minutos depois voltam os dois, ela chorosa, ele irritado. Resumo da ópera: 95% das meninas da festa estavam vestidas de bruxa, e ela era o único fantasma, chamando atenção de todos. Choramingando me disse que não queria mais aquela fantasia, que não tinha gostado de ser fantasma e queria uma fantasia de bruxa. Nas entrelinhas descobri que um menino olhou espantado quando ela chegou e deve ter feito algum comentário maldoso que ela não quis me contar. Conversa daqui, conversa de lá, fui tentando fazê-la perceber primeiro que seu problema não era a fantasia, que obviamente ela tinha adorado. Depois disse que sua fantasia era sensacional, porque era exclusiva... "mamãe, o que é exclusiva?". O final da história é uma fantasminha camarada que curtiu muito sua primeira festa de halloween e chegou em casa depois das 22h descalça, suada e exausta!

Sempre curti e incentivei a autenticidade dela, que sempre mostrou pouco interesse e preocupação em "seguir a manada". Mas de uns meses para cá isso tem começado a mudar. Ela ainda é criativa e espontânea, mas tem se mostrado em alguns momentos influenciável - como quando pede para assistir Carrossel, claramente para acompanhar o "papo na escola". Espero que ela não demore muito a perceber que há muitas vantagens em ser diferente, em ser exclusiva. Mesmo que de vez em quando desejemos apenas "sumir" na multidão...

25 outubro 2012

Das surpresas que a simplicidade pode esconder...

Aperte Aqui
texto e ilustrações: Hervé Tullet
editora: Ática

Ontem à tarde comecei a escrever um post sobre um livro que nós gostamos muito, com o intuito de colocá-lo hoje no ar... mas ele vai ter que esperar um pouco mais. É que à noite fui à livraria pegar um livro que comprei pela internet e claro, aproveitei para dar uma olhada nas prateleiras da sessão infantil. Já tinha visto Aperte Aqui algumas vezes, inclusive na seleção 2012 dos 30 melhores livros infantis da Crescer, mas só ontem resolvi folheá-lo. Sua capa predominantemente branca, com três bolinhas de cores diferentes, não é mesmo das mais instigantes. Além disso, sempre julguei que fosse direcionado a crianças muito pequenas, daqueles livros bobinhos que ensinam cores e formas – quem disse que não há preconceito literário e que estou imune a ele?

Mas enfim peguei o livro e fui ficando mais e mais surpresa a cada virada de página. Ele é muito, muito bom! Divertido, estimulante e com um projeto gráfico lindo. E de uma simplicidade que chega a ser desconcertante que um livro tão bom seja tão simples rsrsrs É realmente um livro para crianças pequenas (indicação a partir de 2 anos segundo a Crescer), mas será que crianças maiores reagiriam bem a ele? Testei na hora. Chamei minha filha (quase 6 anos), sentamos em um cantinho e o entreguei pedindo que ela lesse suas frases simples. Foi delicioso perceber que ela entrou na brincadeira imediatamente, já na primeira página, que apresenta uma bolinha amarela e diz “Aperte a bola amarela e vire a página”. A pequena apertou e virou, continuando com a brincadeira. E ela ria e ria, enquanto obedecia às ordens de “clicar”, sacudir, virar para a esquerda, virar para a direita, soprar, bater palmas. Fico com os dedos coçando para contar mais sobre ele aqui, mas não vou estragar a surpresa para vocês.

Absolutamente interativo, ele apresenta novas possibilidades para os livros em plena era digital, onde as crianças estão tendo acesso cada vez mais cedo à internet, jogos eletrônicos, aplicativos em celulares, tablets e toda sorte de brinquedos. Aliás, hoje, falando empolgada dele para meu marido, disse exatamente isso, que achava que sua proposta era mostrar que é possível aos livros permitirem interação, aventura e surpresa tanto quanto os aplicativos eletrônicos. Para mim até mais, pois um leitor tem muito mais espaço para imaginar e criar que um usuário digital, ou não é?

Ainda é preciso dizer que sua impressão é muito bem cuidada, com capa dura e papel fino, mas resistente, e que Hervé Tullet é francês, artista plástico e autor de vários livros infantis de sucesso – mas este é o seu primeiro livro lançado no Brasil. Recomendadíssimo! Fico pensando nas crianças que conheço que certamente o curtiriam, principalmente aquelas que andam valorizando demais brincadeiras eletrônicas... e sei que ele será uma ótima opção de futuros presentes. Presente para crianças de todas as idades... inclusive da minha rsrs

21 outubro 2012

Um carrossel de estereótipos e um morango sardento

Morango Sardento
texto: Julianne Moore
ilustrações: LeUyen Pham
tradução: Fernanda Torres
editora: Cosac Naify 

Conheci o livro de hoje há bastante tempo em uma livraria, mas só esta semana tive a oportunidade de comprá-lo e analisá-lo com calma. Foi o presente escolhido para uma pequena aniversariante desta semana. É o primeiro livro da atriz Julianne Moore, e retrata sua própria infância, a infância de uma menininha de cabelos vermelhos e muitas sardas, que na escola era perseguida pelo apelido de Morango Sardento. Ser diferente despertava a curiosidade - e crueldade - dos seus colegas da escola, e ela negava aceitar-se como era, e queria livrar-se das sardas a qualquer custo. Mas nenhuma das suas tentativas - de esfregão à canetinha - eliminara as pintinhas em seu corpo. Evitar destoar da maioria e buscar aceitação é bem a fase que tenho percebido a filhota e seus amigos entrarem (5 a 6 anos). Também tenho percebido o início de uma certa vigilância para identificar e apontar aquele que é diferente... Para quem acredita que essa nova geração pode fazer melhor do que as que aí estão, é momento de muita atenção e orientação. Porque preconceito e discriminação é coisa que se aprende, e das mais diferentes formas: uma frase dita em casa, uma imagem vista na rua, numa conversa com colegas da escola, e claro, na televisão.

E refletindo sobre tudo isso, não pude deixar de lembrar da atual sensação televisiva para crianças:  Carrossel. Aqui em casa não assistimos novela há muitos anos, e eu que quase nunca assisto TV (meu vício é mesmo a internet) sequer sabia que a novela que eu assisti na adolescência estava de volta numa versão brasileira. Mas a filha descobriu tudo sobre o programa na escola. Uma criança começou a assistir e em uma semana todas as crianças da salinha de cinco anos queriam assistir também. Não foi diferente com a minha criança, e lá fui eu descobrir o conteúdo do programa para saber como agir. A fórmula é basicamente a mesma da primeira versão: uma turma escolar que tem uma professora boazinha e uma diretora má, recheada pelos dilemas escolares e familiares dos alunos. Bom, é preciso dizer que a versão SBTeana veio acrescida de cavalares doses de merchandising (nunca reparou? veja aqui, aqui e aqui), mas nem vou falar disso já que outros já fizeram com muito mais competência.

O que eu gostaria de comentar é o fato dessa inocente novelinha infantil desfilar um elenco de crianças estereotipadas, que rapidamente viram referência para nossas crianças. Sim, tem a gorda que é abobalhada e rasga roupas ou fica presa nelas, o negro que é pobre e vive sendo humilhado, a rica que é fútil, egoísta e preconceituosa, o gordo que só pensa em comer e tira as piores notas, os meninos "expertos" que são levados e maldosos, dentre outros... e não faltam cenas em que suas características são expostas e muitas vezes ridicularizadas (sem falar na faxineira nordestina que fala errado e é intrometida). Pois é, uma reprodução dos preconceitos e das segregações que nossa sociedade reproduz diariamente, mas embalada numa atraente trama para crianças, sem limite de idade. E como são atraentes!!! São crianças como eles, com realidade e dilemas como os deles, além de um bom repertório musical, um cenário colorido e situações engraçadas. Não sou especialista, mas sou mãe e observadora, e sei que não precisa de muito para perceber o quanto as crianças se identificam automaticamente com outras crianças em situações que lembrem as suas: escola, colegas, relacionamento com professores, pais, irmãos, amigos, brincadeiras, estudos, enfim. Eles se identificam e querem imitar, reproduzir a "fantasia do real" em suas vidas.

Sim, eu sei que a menina preconceituosa vai se arrepender de tudo que fez, assim como os meninos maldosos, e que o que tira notas baixas vai passar a se destacar na turma, e todos viverão felizes para sempre... mas a criança pequena não fica esperando o final da novela, ela é esponjinha que absorve a informação agora, já. E eu posso dar um exemplo disso: minha filha e todos os seus coleguinhas da escola acham Maria Joaquina boba e egoísta, mas há algumas semanas ela veio da escola contando que um colega lhe disse que não queria mais ser seu amigo pq assim como Cirilo ela também é negra. Crianças pequenas não entendem os artifícios usados para se desenrolar um enredo, principalmente um enredo que se estende por tantos capítulos e dias, e uma trama que sofre várias idas e vindas e pequenas reviravoltas. Elas não percebem as nuances de críticas e ironias contra atitudes condenáveis, principalmente quando envoltas em situações engraçadas ou dramáticas. Aliás, essa é uma habilidade que muitos adultos não conseguem desenvolver também... E o que assistimos é a reprodução de velhos e mofados estereótipos e condutas, para uma galerinha que merecia muito mais!!!

Mas infelizmente, o que tenho notado é que poucos pais questionam e analisam o conteúdo que chega aos seus filhos através desta novela - novela para criança, veja só... - e acabam achando legal e "fofinho"  que os filhos queiram repetir frases, comportamentos e produtos usados pelos personagens (o que, claro, os marqueteiros já perceberam e lançaram toda sorte de produto com a marca). Sei que muitos dos que me leem deixam os filhos acompanharem a novela, e não quero aqui ditar como devem agir, mas quero deixar minha opinião pessoal sobre o assunto e convidá-los a refletir sobre isso. O conteúdo é ruim, não é adequados para crianças pequenas porque reproduz estereótipos e massifica comportamentos, além de ser extremamento abusivo na publicidade de produtos para o público infantil. Temos melhores opções para eles e eles merecem que selecionemos com cuidado a programação que eles têm acesso. Pensem nisso!!!

Quem sabe daqui uns anos, mesmo que sejam muitos, ter cabelo vermelho e sardinhas não seja motivo para piadas maldosas nem para o desejo de mudar de aparência? Quem sabe essa geração não nos ensina que o diferente é apenas... diferente? Eu, e minhas muitas sardas escuras, acreditamos nisso.

Como disse Débora Bloch na contracapa do livro "Quando a gente é criança, sempre pensa que é melhor ser diferente do que a gente é. Mas quando cresce, descobre que tanto faz."



O segundo livro de Morango Sardento foi lançado, e mostra a protagonista tendo problemas com o valentão da escola... adianto que ela consegue driblar a situação muito bem...


Morango Sardento e o valentão da escola
texto: Julianne Moore
ilustrações: LeUyen Pham
tradução: Denise Fraga
editora: Cosac Naify 



11 outubro 2012

Compartilhando brincadeiras e uma chapeuzinho vermelho

Uma Chapeuzinho Vermelho
texto e ilustrações: Marjolaine Leray
editora: Companhia das Letrinhas

O post de hoje tenta atender a um convite feito pelo Movimento Infância Livre de Consumismo, que neste dia das crianças está promovendo uma série de ações e reflexões sobre a questão comercial e o consumismo desta data. Nesse contexto foi lançada uma proposta de reflexão coletiva sobre a experiência do brincar criativo em família, através da blogagem de fotos, textos, desenhos, ou tudo junto, com o tema "Dia das Crianças: Compartilhe brincadeiras". O objetivo é mostrar como brincar e ser feliz não tem nada a ver com consumismo, e que o DIA DAS CRIANÇAS vai ser muito melhor aproveitado pelos homenageados se for comemorado com diversão em família do que com brinquedos caros.

Fiquei cá com meus botões pensando que brincadeira poderia colocar aqui, que, claro, não fugisse ao tema do blog, e imediatamente lembrei do teatrinho de Chapeuzinho Vermelho que fizemos aqui em casa há umas 3 semanas. Não é primeira vez que esta mesma parede recebe um cenário para um teatrinho de papel. A primeira vez foi com Pedro e o Lobo, e foi devidamente registrado aqui. Mas desta vez foi diferente, pois a ideia foi totalmente dela, enquanto da outra fui eu quem a convidou a montar a brincadeira. Além disso, a minha participação na criação dos desenhos e dos personagens foi quase nula, e foi a pequena quem bolou praticamente tudo. Inclusive o caçador que usa uma serra elétrica ao invés da espingarda (!!!).



Uma brincadeira extremamente simples, mas muito divertida. Uma diversão que começa com a escolha da história, o planejamento do teatrinho, a confecção do cenário e dos personagens, e a apresentação no final. Aliás, estou adorando essa fase da minha pequena, de maior autonomia para inventar, idealizar e executar brincadeiras assim, simples e criativas, usando apenas os elementos que já temos a mão. Eu topo quase tudo que ela propõe, e incentivo todas as suas manifestações de arte, mesmo que o desenho fique meio desproporcional, ou que eu saiba que se eu mesma fizesse o resultado seria melhor. Aliás, o resultado final é o que menos importa nesse processo...

E isto me lembra um livro e um blog que eu adoro. Conheci Uma Chapeuzinho Vermelho no blog Kids indoors, da super talentosa Gisele Barcellos, e o comprei em seguida. Ela é mãe e foi arte-educadora, e no seu blog dá várias dicas de atividades lúdicas e artísticas para as crianças, além de ótimas dicas de livros. O que eu mais gosto no seu blog é exatamente esta liberdade que ela dá às crianças para criarem e se manifestarem através das artes, e no post de Uma Chapeuzinho Vermelho a brincadeira que ela criou com os filhos foi reproduzir os personagens do livro, que são apenas o lobo e a Chapeuzinho, com arames coloridos.

Tudo a ver com a proposta de Majorlaine Leray, que conta a manjada - mas irresistível - história da menina encapuzada de um jeito muito especial: ela descreve apenas o encontro dos dois principais personagens, que são ilustrados somente com as cores preta, para o lobo, e vermelha, para a Chapeuzinho, com traços simples, como rabiscos infantis. Os diálogos também são simples, com letra cursiva e seguindo as cores dos personagens - preta para o lobo e vermelha para a Chapeuzinho - e o desenrolar da história é totalmente surpreendente. Ah, porque essa Chapeuzinho, de bobinha não tem nada, e ao invés de tremer de medo diante do temível lobo que a queria devorar, saca uma ideia simples e consegue enganar o bichão... tolinho! A proposta do livro é mesmo ser pouco convencional, substituindo ilustrações fofinhas por rabiscos aparentemente aleatórios, mas que expressam muito bem os personagens, e dando a história, por todos decorada, novas possibilidades. E aí, quantas vezes tolhemos a imaginação e manifestações das crianças por serem "pouco convencionais"?

Desconstruir histórias tradicionais, encontrar novas formas de expressão que fogem do padrão estético considerado "ideal", é uma das forma que as crianças encontram de ir além do que já conhecem, e como elas aprendem com isso. Pense nisso antes de sacar o cartão de crédito neste dia das crianças para comprar para suas crianças brinquedos caros e que apenas lhe dão fórmulas prontas de diversão. A infância é capaz de muito mais...

05 outubro 2012

chuva, trovão, trovoada...

O menino que chovia
texto: Cláudio Thebas
ilustrações: Ivan Zigg
editora: Companhia das Letrinhas

Quem nunca presenciou aquela cena típica de uma criança fazendo escândalo, com direito a choros, gritos e debates físicos, por uma bobagem qualquer? As vezes a cena é com a SUA própria criança... Acho que ninguém pode dizer que não viveu ou presenciou algo assim. Bom, eu não posso.

A cena já aconteceu com a minha filha algumas vezes. A primeira foi emblemática, com barriguinha no chão do shopping, braços e pernas se batendo, gritos de muitos decibéis, e uma atenta platéia esperando minha reação. Ela tinha cerca de 1 ano e meio, e o motivo foi um cachorrinho de pelúcia que "respira de verdade" na vitrine de uma loja de calçados infantis - para aumentar minha teima com "brinquedos de verdade"... Depois vieram outras, cada vez menos intensas e menos frequentes, e nenhuma mais em público - que eu me lembre... eu não esqueceria, né? rsrs

O menino que chovia retrata exatamente estas situações, mas de um jeito criativo e divertido. No seu texto todo rimado, Cláudio Thebas em nenhum momento fala de birras, choros, gritos ou lágrimas. Quando contrariado ou frustrado, o menino da história chovia. "E não era chuva, chuvisco, chuvinha. Era chuva, trovão, trovoada. Por qualquer coisa, coisinha, o menino relampejava". Podia ser porque tinha salada no almoço, ou porque seu time perdia no jogo, logo vinham raios para todo lado, e uma chuvarada sem fim... ou até que atendessem seus pedidos. Assim, claro, "o menino foi aprendendo: se ele queria uma coisa, bastava ficar chovendo". E tome-lhe raios, trovões e inundações... te lembra algo familiar???

Alguns versos são impagáveis para mim, como: "O pai imitava macaco, a mãe dançava na pia, tudo isso por medo da chuva, e pra ver se o menino comia". Não tem como não lembrar da minha própria infância... quando eu fazia tempestades e me recusava a comer. Nunca aceitei entrar nessa roda-viva com a minha filha, por puro trauma. Já minha pequena adora a parte que o campo de futebol alaga inteiro, e o goleiro leva um raio no nariz - principalmente pelas ilustrações de Ivan Zigg, e do pobre goleiro sentado sobre a trave... 


E as coisas seguiram assim, até que a família se deu conta que tanta tempestade precisava ter um fim, e que era preciso ensinar ao menino a lidar com as próprias frustrações. O pai tem uma ideia brilhante, que todos ajudam a executar, e o menino logo percebeu que chover já não resolvia nada...

Aqui em casa, a estratégia que mais funciona é a de ignorar, e só dar atenção quando ela está calma para conversar. Com o tempo ela foi percebendo que só perdia com tantas tempestades... mas vocês sabem, existem dias mais nublados, e como o menino do livro, mesmo depois de aprender que tempestades não levam a nada, ela ainda chove quando acorda mal-humorada. E você, tem alguma estratégia para as tempestades infantis?


29 setembro 2012

De Menino... De Menina

O fusquinha cor-de-rosa
texto: Caio Riter
ilustrações: Elma
editora: Paulinas

Conheci este livro quando procurava uma história legal para uma contação de história na escola de minha filha. Os traços inconfundíveis de Elma me atraíram de cara, e a história de Caio Riter não deixou dúvidas de que ia ser sucesso garantido - e foi.

Na época, as crianças, com 2 anos, estavam descobrindo o tal "mundo das meninas X mundo dos meninos". Rosa é para menina, azul para menino. Boneca é para menina, carro para menino. Menina brinca de cozinhar, menino brinca de consertar. Menina brinca de princesa, menino brinca de super-herói. Ahhhh... segmentação chata e burra... E é aí que o livro tem uma sacada sensacional: um carrinho cor-de-rosa é um brinquedo de menina ou de menino? De menina não é, "menina não brinca de carrinho!" - falava Bia. De menino não é, "rosa é cor de menina!" - dizia Beto.

Beto e Bia são dois irmãos, e o carrinho cor-de-rosa morava na casa deles... mas ninguém sabia se o brinquedo era de Bia ou de Beto. E assim, ninguém brincava com ele, que ficava sempre largado no fundo da caixa de brinquedos... Até que um dia algo inusitado aconteceu, e os brinquedos de Bia e Beto ganharam vida! A história vai se desenrolando e os irmãos vão descobrindo que pode ser muito divertido para as meninas brincarem de carrinho, e muito divertido para os meninos brincarem com brinquedos rosa. Afinal, as mulheres não dirigem? E na natureza não tem tanta coisa rosa?

Ahhh, e os homens não cuidam dos seus filhos? Não cozinham? E porque um menino não pode gostar de se imaginar um príncipe? Ou gostar das princesas? E as mulheres, não consertam coisas? Por que elas não podem gostar de mecânica? Ou se imaginarem heroínas? A receptividade na turminha da filha foi ótima! No final, todas as crianças estavam dizendo que meninos e meninas podiam brincar de tudo que quiserem. Eu fiquei super feliz.

Minha filha é uma menina meio "padrão", pois como é tímida e mais tranquilinha, não gosta muito das brincadeiras mais "hard", geralmente atribuídas aos meninos. Mas além das bonecas e panelinhas, ela adora carrinho, super-herói e bola. Pediu, certa vez, um carrinho de controle remoto ao papai noel, que atendeu seu pedido, e ela adora brincar com ele. Uma coisa que adoro é que ela tem um trânsito muito fácil com seus amigos meninos. Eles geralmente aceitam bem que ela brinque com eles, o que nem sempre acontece com outras meninas.

Aliás, tem uma história engraçada que aconteceu ano passado: fizemos uma festinha de natal com as crianças da turma dela no salão de festas do prédio de uma. Foi pedido que as crianças levassem fantasias para brincar, mas a tantan aqui esqueceu de levar... Como os outros pais levaram muitas fantasias, ela ficou com várias opções, e enquanto as meninas viravam cinderela, ariel e bailarina, ela escolheu uma fantasia de Ben 10 (detalhe que eu detesto Ben 10...) e ficou lá, toda feliz no meio do homem aranha, super homem e batman.

Acho que O fusquinha cor-de-rosa é uma ótima forma de abordar o tema com as crianças. Vamos ajudar nossas crianças a construírem uma geração menos sexista e mais livre? Que permita que todos usem suas potencialidades e preferências sem tolhimentos bobos e irracionais!

PS: já ouvi coisas como "você diz isso porque é mãe de menina. Queria ver se seu filho quisesse se vestir de cinderela!". Talvez seja verdade, como não tenho menino não posso afirmar qual seria minha reação. Mas de uma coisa tenho certeza, minha preocupação seria toda pelo receio dele sofrer discriminação e preconceito de coleguinhas e adultos (principalmente adultos). Como "acredito em fadas" (piada interna), acredito na possibilidade de meu bisneto, ou talvez tatatatataraneto, poder se vestir de cinderela sem sofrer qualquer acusação ou "sacaneamento" preconceituoso. E para isso precisamos refletir hoje. Com as crianças de hoje. Aceita o desafio?

14 setembro 2012

Linhas e Letrinhas

Livros para trazer aqui não faltam, mas o meu tempo está comprometido. Hoje vou deixar esse vídeo sensacional do dvd Vem brincar com a gente, do Palavra Cantada, que há tempos quero trazer aqui.



Bom fim de semana a todos e muitos livros, linhas e letrinhas para nossas crianças.

10 setembro 2012

Colecionando amigos e amores

O colecionador de pedras
texto: Prisca Agustoni
ilustrações: André Neves
editora: Paulinas

Quando admiramos o trabalho de uma pessoa, acabamos criando uma confiança de que tudo que tenha seu dedo será de boa qualidade. Costumo sentir isso com filmes, quando identifico no elenco atores que na minha opinião não se aventurariam em uma produção ruim. O mesmo acontece com os livros. Quando vejo um livro ilustrado por um dos meus ilustradores favoritos, sei que tenho algo especial aí, pois eles não ilustrariam algo realmente ruim. Foi assim que cheguei a O colecionador de pedras. Ele estava na prateleira da livraria, e de imediato reconheci os traços de André Neves, pegando-o para ler.

O livro é realmente muito, muito lindo. Crianças e adultos vão se encantar, e refletir, embora em níveis diferentes. A história se desenrola com o menino Ambaye, que é muito pobre mas muito sensível. Apesar da pouca idade ele aprendeu desde cedo "a arte da escuta e da paciência". "Com o vento aprendeu a conversa dos olhos, o sorriso das mãos, as lágrimas dos lagartos. Com as mulheres da família aprendeu a tecer palavras e conchas para fazer as mais lindas joias - as que são invisíveis."

Mas o que Ambaye gosta mesmo é de colecionar pedras. É que ele se encanta com a maneira descompromissada com que as pedras chamam a atenção, apenas ficando a beira das ruas de terra vermelha. Elas acalmam seu coração. Foi por causa delas que Ambaye começou uma longa viagem. E foi percorrendo seu país que ele encontrou uma moça "vestida de solidão". Seu nome era Noémi e seu rosto era "aninhado em maravilhas e tristezas". Entretanto, por mais que tentasse, Ambaye não conseguia fazer Noémi sorrir. Eles caminhavam lado a lado, mas nada parecia capaz de tocar o coração da jovem Noémi, que seguia cabisbaixa e triste.

Mas Ambaye não desiste fácil, e dia após dia, continua tentando fazer sua amiga sorrir. Até descobrir o que falta para fazê-la ser feliz de verdade: a surpresa. A vida não lhe trouxera surpresas, além da dor e das perdas. Por isso, ela seguia sem expectativas, sem esperança... e não há como sorrir verdadeiramente quando não se tem perspectiva de algo diferente, quando não se permite surpreender-se.

O livro realmente alcança a todos. É profundo, mas sua linguagem é bastante simples, e as ilustrações muito expressivas. Minha pequena o adora, e pede para lê-lo repetidas vezes, com se quisesse sugar cada gota que ele possa lhe oferecer. Alguém já conhece o livro? Que tal contar como o sugou?

03 setembro 2012

palavras bordadas...

A menina que falava bordado
José Carlos Lollo desenhou
Blandina Franco bordou
Giacomo Favretto fotografou
editora: Amarilys

Minha filha é uma criança tímida, bem do jeito que eu era com a sua idade. E assim como eu, ela é super calada com quem não conhece - mas uma tagarela quando já se sente a vontade. Até pouco tempo atrás, eu ficava muito incomodada com esse seu comportamento, queria forçar que ela se comunicasse melhor, não apenas que cumprimentasse as pessoas, mas que fosse falante e extrovertida. O que eu temia, e ainda temo, é que ela passasse por todas as dificuldades pelas quais passei para romper com a timidez, o que no meu caso aconteceu por volta dos 15 anos. Bom, mas depois de umas cabeçadas, percebi que essa atitude não a ajudava em nada, e não a fazia mais "falante". 

Ter um filho é mesmo uma viagem impressionante, onde aprendemos bem mais do que possamos pensar ensinar. E nessa minha viagem como mãe dela, tenho aprendido algumas coisas preciosas. Primeiro, que não posso evitar, mais que isso, privá-la, de passar por suas próprias dificuldades, romper suas próprias barreiras, sofrendo e colecionando seus próprios aprendizados. Segundo, que minha missão é mesmo de ajudá-la a passar pelos percalços da vida, mas respeitar sua identidade e sua trajetória é o passo número zero para isso.

Ahhh, mas como é difícil! Quando vejo crianças da sua idade extrovertidas, falantes, receptivas com o desconhecido, e olho a minha pequenina “travando” até diante de pessoas conhecidas... dá uma vontade imensa de falar a ela: “filha, não perde tempo, a timidez rouba tanto de nós” rsrs Mas a verdade é que ela tem todo o tempo do mundo, o suficiente para errar e corrigir erros, inclusive. Estou aprendendo a perceber suas outras formas de comunicação, aprendendo a ler suas entrelinhas, e tentando respeitar mais seus momentos introspectivos. Afinal, porque temos todos que nos comunicar da mesma forma?

Por tudo isso gostei tanto da proposta do A menina que falava bordado. Achei que tinha tudo a ver com a minha menina, a filha e a que fui. É que a menina do livro quase não fala. Mas ela fica calada não porque não sabe ou não tem o quê falar, nem tampouco por ser triste. Ela não fala porque acha bem mais divertido bordar. E bordando ela consegue se expressar direitinho, seus bordados refletem tudo que ela sente. Assim, ela tem ponto para toda situação: ponto para quanto tem pressa, para quando esta triste e cansada, para quando quer abraçar ou se unir a alguém, e até para quando quer que ninguém a entenda. De um jeito doce e poético, o livro mostra que cada um tem um jeito próprio de se expressar, e que precisamos prestar mais atenção no outro para perceber o que querem nos dizer.



Mas o livro tem algo muito especial: a forma como foi feito. Todo o livro, inclusive seus textos, foram bordados. Isso mesmo, cada ponto que a menina usa foi ilustrado e associado a um sentimento ou uma situação, e tudo isso é expresso através de bordados, como a história sugere. Minha mãe era uma grande bordadeira, e eu também adoro agulhas e linhas. A filha, sempre que me via bordando, pedia para bordar também, e eu sempre prometia comprar agulha de crianças para ela... e nada. Com A menina que falava bordado, o pedido ressurgiu, e eu achei que já estava na hora de atendê-lo. Comprei uma agulha de bordar grossa, sem ponta, e linhas. Prendi um pedaço de tecido de algodão em um bastidor e o entreguei para que ela desenhasse livremente com um lápis. Depois a ensinei a segurar o bastidor e manusear a agulha. Fui acompanhando seu trabalho, dando dicas, mas em pouco tempo ela já estava bordando sozinha. As miçangas no miolo da flor foi ideia minha, que ela executou praticamente sozinha (só ajudei para que ficassem com formato redondo), e no resto do bordado, apenas as pétalas tiveram uma ajuda maior minha.


Olhando aquelas mãos gordinhas dominando a agulha, foi inevitável me emocionar. Minha mãe não a conheceu, mas sei que sua estrelinha brilhou mais forte naquele dia...

29 agosto 2012

PROMOÇÃO 2!!!!

Em primeiríssima mão, anuncio que a Livraria Cultura está repetindo a promoção do ano passado, e dando 50% de desconto para os livros da Cosac Naify. Mas é só hoje, dia 29 de agosto!!!
Tem ótimos títulos, infantis ou não, e acho que vale a pena uma olhadinha. Para quem está em cidades com lojas físicas da Cultura, mas não pode ir até lá, vale a dica de comprar pelo site e pedir para entregar na loja, ficando isento do pagamento de frete. Aproveitem e me contem depois...

ATUALIZAÇÃO em 29/08 - 11:55h
A livraria Saraiva está com a mesma promoção: Cosac Naify com 50%, também só hoje. Os valores aparentemente são iguais, mas é uma opção a mais, já que poucas cidades possuem loja física da Cultura. A dica permanece na Saraiva: comprar pelo site com entrega na loja, ficando isento do pagamento de frete.

Pois é, basta um promover uma ação assim que outros seguem. Isso não poderia acontecer com mais frequência?

NOVA ATUALIZAÇÃO EM 29/08 - 14:61h
Como avisou Ana Paula nos comentários, a FNAC também está dando 50% de desconto para Cosac Naify, e 30% para todos os livros. Mas é só hoje, hein?

20 agosto 2012

Descobrindo o poder das letras...

De letra em letra
texto: Bartolomeu Campos de Queirós
ilustrações: Elisabeth Teixeira
editora: Moderna 


O Batalhão das Letras
texto: Mário Quintana
ilustrações: Rosinha
editora: Globo


Palavras, muitas palavras...
texto: Ruth Rocha
ilustrações: Cláudio Martins
editora: Quinteto Editorial

Já contei uma vez aqui que a Cachinhos começou a conhecer as letras através da primeira letra do seu nome e dos seus colegas, depois da professora, pais, pais dos colegas, outros colegas, e em pouco tempo toda a turminha conhecia todas as letras e sabia associá-las a palavras que iniciassem com elas. Por isso sempre me atraíram os livros que usam como base as letras do alfabeto, como o Boa Noite, Noé, que já trouxe aqui. Hoje resolvi trazer outros livros que usam o mesmo artifício: desfilar, letra a letra, várias possibilidades para o nosso abecedário. Para os que estão aprendendo a usar as danadinhas, posso dizer que é sucesso garantido, afinal, estou falando de textos de Bartolomeu Campos de Queirós, Mário Quintana e Ruth Rocha. E ilustrações de Elisabeth Teixeira, Rosinha e Cláudio Martins. 

Os livros são divertidos e vão mostrando como as letras já estão no nosso dia-a-dia, mesmo que não nos demos conta. De letra em letra me chama muita atenção, porque o pequeno texto dedicado a cada letra, que sempre começa com um nome próprio, usa apenas palavras iniciadas com a letra em questão - o que de cara dá um bom jogo com os pequenos leitores. No D ele diz:

com D
Daniel desenha dragão, dinossauro, dromedário.
No diário de Daniel
os dentes do dragão
devoram o dinossauro
e dominam o dromedário.

e no Z:

com Z
Zaíra zela zebra, zebu, zangão
no zoológico de Zaíra
a zebra zanza,
o zebu é zonzo
e o zangão é zangado.

Todo o texto usa letras de forma, o que facilita sua identificação pelos pequenos.

Com um texto mais informal e divertido, Mário Quintana, no seu Batalhão das Letras, também dedica um poeminha para cada letra, e garante bons sorrisos. Sobre o O ele fala:

Outras letras dizem tudo.
Mas o O nos desconcerta.
Parece meio abobalhado:
Sempre está de boca aberta...

e sobre o G:

O G é letra importante,
como assim logo se vê:
com um G se escreve GLOBO
e o globo GIRA com G.

O terceiro livro também é delicioso. Ruth Rocha para cada letra trás um tipo de texto diferente, às vezes um poema, às vezes um trava língua, às vezes uma listagem de palavras iniciadas com aquela letra. Às vezes ela se demora, brincando com uma letra:


A letra E se usa assim:
Às vezes no começo,
Às vezes no meio,
Às vezes no fim.
Com E no começo
Se escreve Endereço.
Com E no meio
Se escreve fEio.
E com E no fim?
Se escreve pÉ, bonÉ, cafÉ.
Se escreve filÉ, sapÉ, marÉ.
Se escreve ChipanzÉ,
E até buscapÉ.


Às vezes ela não precisa de muito para dizer o que quer:

N
de Nada.

Existem outros excelentes livros com esta temática, mas estes são os que temos e usamos. Acho que são ótimas dicas para trabalhar com as criança em fase de alfabetização, ou mesmo as que ainda estão começando a entender a existência das letras. E vocês, têm sugestões de livros para esta fase? Conta aí...

15 agosto 2012

Quem tem medo do Grúfalo?

O Grúfalo
texto: Julia Donaldson
tradução: Gilda de Aquino
ilustrações: Alex Scheffler
editora: Brinque-Book

Por "razões misteriosas", eu ainda não conhecia o tão comentado O Grúfalo. Nunca o encontrava na livraria, e quando tive uma oportunidade de tê-lo nas mãos, não tive tempo de lê-lo. Enfim, o tempo foi passando e eu fui até esquecendo dele. Mas a vida nos prepara surpresas, e na semana passada a escola de minha filha propôs um amigo secreto de livros entre as crianças para comemorar o dia do estudante. Para minha felicidade, amigo secreto de livro é uma prática comum por lá, e já foi usada em outros momentos, como dia das crianças e encerramento do ano letivo. Escolhi um livro que adoro (e que preciso trazer aqui) para a pequena levar, e na volta ela trazia cheia de alegria O Grúfalo na mochila.

A história é uma adaptação de uma lenda folclórica, segundo a própria autora, que em sua adaptação criou o Grúfalo, um bicho que tem presas incríveis, uma verruga cabeluda na ponta do nariz e espinhos pelas costas espetados. Mas ele existe de verdade ou é apenas uma invenção do pequeno e astuto ratinho, que quer meter medo e escapar de seus predadores? O texto é todo rimado e muito divertido, ao contar como um ratinho, tão pequeno e indefeso, consegue enganar uma coruja, uma raposa, uma cobra, e até o terrível Grúfalo - todos querendo comê-lo.

É muito legal também para mostrar como algumas reputações são criadas em cima de simples lendas e suposições. E cá entre nós, não são apenas as crianças que acreditam em reputações irreais, não é? (risos). Agora estou curiosa para conhecer O Filho do Grúfalo, continuação deste primeiro, que já está na quarentena...

03 agosto 2012

Da arte de criar um filho


Mamãe Zangada
texto e ilustrações: Jutta Bauer
editora: Cosac Naify

Eu sempre tenho uma lista considerável de livros “a comprar”, quase sempre uma lista crescente, já que minha restrição orçamentária não permite que os títulos saiam da lista com a mesma freqüência que entram. A maioria dos livros que trago aqui ficou em quarentena nessa tal listagem, alguns por mais outros por menos tempo, mas com o livro de hoje foi diferente. É que Mamãe Zangada não chegou a fazer parte da lista, embora eu o conheça há bastante tempo.

Eu não lembro exatamente onde soube de sua existência, mas sei que foi com a resenha que Lu Conti fez que tratei de conhecê-lo. E ele foi perturbador naquele momento. Como apresentá-lo a minha filha, então com uns 2 aninhos? E aí preciso dizer o quanto gosto dos livros de Jutta Bauer, ilustradora e escritora alemã, que produz livros assim, perturbadores, reflexivos, questionadores. Daquele jeito que eu gosto: traços simples, poucas palavras e muitos significados. Achei melhor esquecer a história do dia que mamãe pingüim grita tanto com seu filhote que o pequeno se despedaça. O livro fala do impacto que as “explosões maternas” causam nas crianças. O volume da voz, a acidez das palavras, a irracionalidade das acusações e a agressão das ameaças. O pequeno se despedaça, e na metáfora produzida por Jutta, o bico do pingüim filho vai parar nas montanhas, suas asas na selva, seu corpo afunda no mar, e suas patas chegam ao deserto, correndo sem rumo. Ele não pode falar, nem gritar, nem voar... Mas a mamãe procura o filho em todos os lugares, até encontrar, juntar e costurar, ela própria, cada um dos pedacinho separado... para então lhe pedir desculpas.

Naquele momento eu não conseguia me imaginar entregando aquele livro à minha filha, assumindo as limitações e falhas maternas, até porque eu me considerava uma mãe bastante paciente e controlada... E o tempo passou, e a filha cresceu, e a mãe foi se envolvendo com muita coisa extra-maternidade e os dilemas mãe e filha foram mudando. E eu me vi cada dia trabalhando mais, me estressando mais, me ausentando mais, fisicamente ou não, do seu dia a dia. E fui ficando menos paciente e menos controlada. Todo mãe explode  vez ou outra – ou deveria, afinal o que não se extravasa vira doença, e não há nada mais triste do que uma mãe ausente por motivos assim – mas eu sentia que estava explodindo demais, e as explosões estavam pesadas demais, e isso me incomodava enormemente.

Resolvi parar e reavaliar tudo. Meu trabalho me absorve bastante, mas eu gosto de trabalhar, então eu precisava arrumar as coisas para que cada uma ocupe o espaço que lhe cabe. Fiz uns ajustes nos horários e estabeleci algumas coisas: meus finais de semana são para mim e minha família, reduzi consideravelmente meu tempo na internet e as noites são novamente para olhar suas atividades da escola, fazer uma comidinha gostosa para ela, acompanhar suas brincadeiras e colocá-la para dormir. Parece bobagem, mas as coisas estavam realmente emboladas: a noite eu ficava na internet e não acompanhava o que ela fazia, e ela acabava ficando na televisão até muito tarde, e dava trabalho para dormir, e muito mais para acordar. E eu? Explodia. E depois morria de culpa. O tal ciclo vicioso em ação. Ainda quero mudar algumas coisas, mas dá para perceber que consegui dar uma quebrada no tal ciclo. Chego em casa mais tranqüila, coloco ela para fazer a atividade e acompanho tudo enquanto preparo algo para comer - um balcão liga a cozinha à sala - comemos e ficamos juntas até a hora de colocá-la para dormir, cedo. Com isso ela tem acordado cedo e nossos conflitos foram reduzidos. Ahhh, mas eu ainda estouro de vez em quando, e ela não se cansa de me testar. Tudo bem, é importante para nós duas que os conflitos aconteçam, desde que estejam envoltos em muito respeito e amor.

E foi nesse momento que lembrei novamente de Mamãe Zangada, e pude vê-lo com outros olhos. O livro explicita algo que às vezes queremos deixar esquecido: o impacto devastador que nossas palavras, gestos, atos impulsivos podem ter sobre nossos filhos. Faz a mãe pensar, refletir, reavaliar, e isso é sempre bom. Mas faz bem para os filhos também. Entreguei-o a minha pequena numa forma silenciosa de dizer: “mamãe nem sempre é legal com você, às vezes é injusta e te machuca. Eu sei disso e estou tentando mudar, mas eu nunca vou te deixar despedaçada, eu vou sempre juntar e costurar seus pedaços para te deixar inteira novamente, como você merece.” Não é fácil, mas criar filhos não é mesmo algo fácil de ser feito. E desta arte, eu sou eterna aprendiz.