17 junho 2012

Minha Cachinhos... Leitora

História em 3 atos
texto: Bartolomeu Campos de Queirós
ilustrações: André Neves
editora: Global

Não vou dizer que não aguardei esse dia. Claro que o aguardei. Para uma apaixonada por livros infantis, ver a filha lendo sozinha seus próprios livros é mesmo algo muito especial. Mas não coloquei ansiedade demasiada nessa minha espera, foi apenas uma espera... Na verdade, eu tinha alguns medos: primeiro que ela queimasse etapas. Queria garantir a ela o lúdico, o estímulo a criatividade e imaginação, a formação de  vínculos afetivos saudáveis - coisas bem mais importante para crianças até 6 anos do que saber ler e escrever. Além disso, sinto às vezes uma pressão muito forte para que as crianças sejam precoces, e suspeito que isso desencadeie muitos problemas de aprendizagem. Tem muita criança que aprende a ler aos 4 anos e até antes disso, mas tem muita criança que faz 6, 7 anos e ainda não despertou o interesse pela leitura (até sabe as letras e sílabas, mas não se interessa por sair lendo) – e aí, ela está atrasada? Eu acho que não. Além do mais, se todas as crianças fosse iguais e despertassem para a leitura na mesma idade, a precocidade perderia o sentido, não é?

Por medo de colocar os carros na frente dos bois e pressão onde não cabe, marquei um horário com a pedagoga da escola quando aos 3 anos começaram a ensinar-lhe as letras. Queria entender como tudo aconteceria, e achava tudo prematuro demais. Conversei também com minha irmã, que é pedagoga, e um argumento de ambas me acalmou: ela entrou na escola cedo demais (aos 4 meses, quando terminou minha licença-maternidade), e deixá-la 5 anos pintando e desenhando iria entediá-la, deixando-a sem desafios. Se tem uma coisa que considero importante para um ser em formação é a presença de desafios (proporcionais a sua capacidade emocional e cognitiva, claro). Confio muito na escola que ela estuda e fui acompanhando tudo de perto. Percebi que eles estavam apresentando as informações para as crianças, mas respeitando o tempo de cada uma. A prova é que ainda no Grupo 4 (crianças com 4 anos) dois alunos já liam perfeitamente e outros ainda não conseguiam identificar sílabas, e isso nunca foi um problema na sala. Fui ficando mais confiante, até porque a alfabetização de hoje é bem diferente da minha época.

Aliás, foi fascinante perceber como hoje as crianças decifram a leitura. Tá, fascinante num segundo momento, no primeiro foi meio assustador. Com a cabeça formatada pelo aprendizado das famílias das letras e o "Ivo viu a uva", tomei um susto quando minha pequena começou a ter contato com todas as letras praticamente juntas, num enfoque muito mais do contexto de cada situação do que das letras que ela já conhecia. Passado o susto tudo começou a fazer muito mais sentido. Vinha da escola uma receita de biscoito para leitura compartilhada, ou um caça-palavras com palavras sobre algum assunto abordado em sala, com letras, acentos e sílabas ainda não dominadas, mas num contexto muito mais próximo dela, e as informações iam sendo absorvidas com mais naturalidade. E eu ficava pensando na Cachinhos que fui um dia lendo o livro da escola e pensando "mas afinal que é Ivo? E onde estavam as uvas?". Tudo começou com o seu nome e o nome dos coleguinhas da sala, depois o nome da professora, dos pais e dos pais dos coleguinhas. Aí o J era o J de João, o L de Letícia, o G de Guilherme... achava lindo quando ela via uma letra na rua e dizia "olha mamãe, é o M de Maria, como a mãe de Duda". Foi delicioso e serviu para aproximar mais os pais da turminha.

Já no grupo 5, ela conhecia bem as letras e conseguia ler algumas sílabas, mas não parecia ter nenhuma motivação para ler palavras ou frases. Como diz uma amiga minha, não tinha dado o click. Ela sempre adorou os livros, nos pedia para ler, mas nunca tentava ler nem uma palavrinha que fosse. Por isso eu imaginava que ainda fosse demorar bastante. Mas eu acho que é mesmo um click, como se eles já soubessem mas ainda não tivessem percebido isso. Aliás, mais que isso, não tivessem mesmo interesse em perceber. O que leva uma criança a querer ler? Acho que a resposta muda de uma criança para outra, e é bobagem querer encontrar uma resposta única. Lá em casa o interesse surgiu de um dia para o outro, nem sei dizer direito como. Uma noite deitamos em minha cama com um livro nas mãos. Comecei a ler e ela foi tentando ler algumas palavras. Então eu parava e esperava. Ela parou com vergonha e eu falei que ela poderia ler mesmo errando, porque ela estava aprendendo e isso era normal. Ela leu algumas e foi dormir. Na manhã seguinte, um sábado, a levei para cortar o cabelo e depois para almoçar na casa da avó. Fomos a pé ao salão e ela foi tentando ler tudo que via no caminho, da placa da padaria a tampa do bueiro. Do carro, no trajeto para a casa da minha sogra, pedia “mamãe, vai mais devagar, estou lendo o nome daquele ônibus”. Eu tomava susto a cada palavra nova! Há 24 horas ela não se interessava para ler nada.

Isso aconteceu há alguns meses, e depois desse "pulo inicial" ela tem absorvido um pouquinho mais da nossa língua escrita a cada dia. Enganchava-se com o N e M nasalizadores, e sempre queria formar uma sílaba com a vogal anterior (anjo ela lia NAjo, bambu lia BAMAbu...), também pegou aos poucos quando o L tem som de U, e quando o S tem som de Z rsrs Estou curtindo muito esse processo, que ainda promete muitas aventuras...

Mas hoje trago essa notícia com o primeiro livro lido inteiramente pela minha pequena cacheada.  Eu nunca esqueci o primeiro livro que li sozinha na vida. Foi realmente marcante, e como disse no meu primeiro post, nunca consegui parar. Queria que fosse especial para ela também. Por isso, aproveitei que no último feriado viajamos para o aniversário de meu sobrinho e o voo atrasou, e puxei de sua mochila História em 3 atos, do maravilhoso Bartolomeu Campos de Queirós. Repetindo o que meu pai fez há muitos anos atrás, disse que ela o leria sozinha, e para meu espanto ela simplesmente começou a ler, sem demonstrar os medos e insegurancas que eu tive há algumas décadas atrás.

Em Historia em 3 atos, Bartolomeu Campos de Queirós faz uma deliciosa brincadeira com letras, sílabas e palavras, e minha pequena riu alto com o gato que num susto vira ato, e o pato que num susto vira ato, engolem as letras erradas e num instante o pato esta miando no alto da casa e o gato nadando no rio. Ah, e ainda tem um rato, que num susto transforma o gato em grato e o pato em prato. Não vou contar mais, apenas que no final do livro temos um rato que é gato, um rato que é pato e um ato que é rato... kkkkk Depois a brincadeira foi trocar a primeira letra dos nomes dos nossos conhecidos, transformando João em Poão e Pedro em Jedro, Letícia em Metícia e Matheus em Latheus. Muita risada e a leitura ficou leve e fluida como deve ser.

Minha filha lendo um livro de Bartô ilustrado por André Neves... espero que tenha sido inesquecível para ela também...

3 comentários:

  1. MIL,
    Que momento especial
    você está vivendo!

    "História em 3 atos"
    é um livro precioso
    para a leitura nas
    séries iniciais.


    Você me pareceu mais
    assustada e insegura
    do que a sua filha.
    Ela, de maneira segura
    e sem medo, leu
    Bartolomeu Campos
    de Queirós e ainda,
    se divertiu a valer.

    Aproveite cada minuto
    desta fase (iniciação
    à leitura). Como num
    passe de mágica, tudo
    acontece muito rápido.
    um beijo
    Cristina Sá
    http://cristinasaliteraturainfantilejuvenil.
    bogspot.com

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  2. Mil Cachinhos esse momento é mesmo mágico. A pequena Cachinho e sua conquista com o mundo da leitura.
    É encantador vê-los assim: decifrando os códigos pelas ruas, pelas tampas de bueiros.
    Parabéns pela emoção tão lindamente escrita!
    Beijo

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  3. Então, Cristina, não é uma delícia perceber quando nossos filhos nos superam em algo? Eu tinha tanto medo de arriscar, de errar... se ela não for assim já vai estar anos-luz na minha frente.
    bjs,
    Mil Cachinhos

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